O MUNDO

O mundO

Os dois se encontraram como combinado. Pontualmente, às seis da tarde. Ele como sempre estava com seus óculos de lentes pequenas e arredondadas, usava aquele terno marrom desbotado e maiores que suas medidas, seus sapatos velhos e aquele cabelo muito bem penteado e sua barba mal feita mostravam que se tinha uma coisa que não se importava era com estilo. Marcaram no mesmo lugar naquela praça quase deserta no centro da cidade, ele nem se importava se fosse lá ou em qualquer outro lugar. Logo, o outro chegou, ele veio todo arrumadinho, estava como o cabelo diferente, na verdade tinha pintado. Alto e corpulento, anda sempre de cabeça baixa, seus óculos fundo de garrafa o fazem parecer nerd de ficção cientifica. Era o segundo encontro daqueles dois, nem lembram direito como se conheceram, mais ultimamente eram a melhor companhia um para o outro. Um sempre saia de casa, pra qualquer lugar, o outro permanecia maior parte do tempo trancafiado em seu quarto. Um era a experiência, conhecia as coisas do mundo como ninguém e outro era a curiosidade, tudo que vivera e conhecera eram apenas as idealizações e fantasias de sua mente. Quando se aproximaram, apertaram as mãos e em seguida, num sobressalto o mais velho que se chama Ezedequias falou:

- Nosso como você estar mudado! Ficou bem engraçado. Cabelo vermelho ficou bem estranho. Não sei se gostei.

O jovenzinho que foi carinhosamente batizado por seus pais de Narciso, contudo diferente do mito, odiava ver sua imagem refletida no espelho, abaixou a cabeça, se sentiu envergonhado, sentou-se do lado de Ezedequias, respirou fundo e disse:

- Pois é mudei um pouco, queria poder ser notado, agradar alguém talvez. Mas pelo que vi foi em vão, se você não gostou imagine só os outros. Pera ai cara... Você é ridí...

- Nós somos ridículos meu bom. Os dois riram.

Um silêncio encerrou a risada, ficaram pensativos por alguns segundos. Ezedequias quebrou o silêncio.

- Queres falar sobre o quê hoje? Lembro-me da nossa última conversa falamos tantas asneiras, passamos horas a fio discorrendo do comportamento humano, sobre padrão de beleza e a revolução industrial. Aquele papo parece que não te fez muito bem.

- Fiquei pensativo apenas, não tinha muito que falar, gosto de ouvir você falar. Cheguei em casa e pensei sobre muitas coisas depois daquele papo. Você conhece muito, disse isso para meu cachorro. Ele abanou o rabo, acho que ele deve saber que você é um sábio.

- Quero falar sobre o mundo, como é o mundo?

- Ai você pergunta... O que é esse mundo? O inferno, nem compararia seres humanos com ratos ou baratas, seria indigno de minha parte ofender os pobres bichos.

- Que pessimista Ezedequias.

- O mundo é pessimista meu bom. Quantas vezes você já saiu para ver o mundo?

- Algumas vezes, fui ao supermercado com a minha mãe semana passada. Ela viu algumas coisas e falou “esse mundo esta todo errado, tudo mudado”. E disse isso porque viu duas moças aos beijos, eu achei excitante.

- Engraçada sua Mãe, querer afirmar que esse mundo algum tempo tenha sido certo e que algo mudou por que viu duas moças aos beijos, o mundo sempre foi errado e continua o mesmo desde sempre, que tolice! Sua Mãe é uma tola! Sua mãe enxerga o mundo de maneira muito superficial e você nem o mundo conhece.

- Então o que é o mundo?

- Imagina uma jaula! Todos estão presos, não existem armas para sobreviver, você deve fazer suas armas, construir, depois disso você luta pra sobreviver, porque todos estão se matando e talvez nem você mesmo sobreviva. O que vale nessa jaula é viver os minutos, a euforia de matar alguém.

- Que crueldade!

- Sim o mundo é cruel! Ezedequias soltou uma risada pavorosa e estrondosa que assustou Narciso, que sentiu um frio na espinha.

- Assustei-me!.

- Com o mundo?

- Não! Com essa tua risada.

Os dois caíram na gargalhada. Depois voltaram à conversa.

- Um dia estava na janela de minha casa, ai alguém falou, não lembro quem, “esse mundo ainda tem jeito”. Ai fiquei a pensar, se você me diz que esse mundo é tão cruel e selvagem, porque aquela pessoa disse toda saltitante “ esse mundo ainda tem jeito”.

- Odeio os otimistas! Essa gente que anda com o risinho na cara e acha que pra tudo tem solução. Imagina agora o mundo sendo um amontoado de lixos, muito lixo, lixo a perder de vista. Se você procurar nesse lixo, depois de muitas horas, dias, semanas, anos e até séculos você poderá encontrar algo reciclável, que preste, que possa ser utilizado. Esse e o mundo! E por isso essa expressãozinha otimista “esse mundo ainda tem jeito”. Não há nada que dei jeito.

Narciso Ficou pensativo, olhou pela primeira vez nos olhos de Ezedequias, abaixou a cabeça e em seguida balançou e disse:

- Prefiro não sair para conhecer o mundo, estava curioso, mas você deixou-me bastante assustado! Acho que ainda vou preferir ver o mundo da janela do meu quarto, não vou desbrava-lo. Qualquer dia conversamos de novo.

- Você é quem sabe. Afinal você não se encaixa em nenhum mundo mesmo. Que horas são?

- Que confusão, existem mais mundos! Onze da noite. Preciso ir. Tô muito longe do mundo superficial da minha mãe.

Os dois levantaram-se, Ezedequias espreguiçou-se. Narciso estava longe e pensativo, como sempre. Apertaram as mãos e cada um seguiu. Ezedequias com o passo largo, logo sumiu na escuridão de um beco e Narciso com aquele andar de tartaruga ia pensativo para o ponto de ônibus. Alguém passou por ele e falou “cabelo maneiro, gostei da cor”, ele se assustou, assustava-se com facilidade. Gostou de ser notado. Chegou em casa, levou um sermão da mãe “ Isso são horas! [...] Já te falei que esse mundo ta mudado”. Pela primeira vez ele retrucou para a mãe e disse com a voz firme.

- O mundo não mudou é a senhora que ver o mundo de maneira superficial. Seu mundo é seu mundo!

A mãe calou, ele foi para o quarto, sentou na escrivaninha, ligou o rádio, escolheu Something dos Beatles, pensou e escreveu um conto.

Arielson do Carmo
Enviado por Arielson do Carmo em 30/03/2015
Reeditado em 30/03/2015
Código do texto: T5188529
Classificação de conteúdo: seguro