Rumo ao sem rumo

Eu caminhava cabisbaixo. Sim, não queria ver mais o horizonte, era tanto peso em minhas costas que eu não suportava ver o que tinha pela frente, e pra falar a verdade me faltava a vontade de ver o que estava por vir.

Olhava pro chão e via todo o lixo da calçada, papéis de bala, sacolas plásticas que as vezes saiam do chão com o vento... Folhas e mais folhas, secas, murchas, sem vida, como eu me sentia.

E também via os mendigos em meio á sujeira... Vi um que tinha acabado de deixar cair a dentadura no chão, tão suja que parecia dentes cariados e ele tentava colocar um dos poucos dentes bons no lugar. Dentes... Segundo os antigos sonhar com dentes é algo ruim. Acho que vou sonhar com dentes porque tudo que vejo já são coisas ruins. Tenho medo de sonhar. Não quero mais... Porque parece que ultimamente todos os sonhos são pesadelos, ou os sonhos que são desejos não se realizam e ficam só em promessas desfeitas, mal feitas... Sonhos. Não! Chega de sonhar.

Continuava a caminhar e via a poeira, os cobertores dos mendigos e via os cães de rua... Tantos abandonados e alguns felizes nessa tristeza, nesse abandono. Será que a tristeza pode ser feliz? Engraçado isso. Incoerente, mas parece que tem gente que acha felicidade em pouca coisa. Os cachorros acham.

E vou olhando pro chão, porque não quero sobras de felicidades, restos de alegrias... Não quero erguer a cabeça porque tenho medo do futuro. Sim, é isso. Falei, meu maior medo. Ele me assusta. É a coisa que mais tenho medo na vida. Futuro parece ser terrível.

Fecho os olhos e engulo o choro e continuo andando. Sem emprego, sem dinheiro... Sem futuro. Como vivo com essas dívidas? Se eu não conseguir pagar?Se eu não voltar a trabalhar ?O que vai ser de mim? O que vai ser da minha vida? Dúvidas, dúvidas e dúvidas desse futuro. Isso me sufoca, é como se o futuro fosse uma pessoa que apertasse meu pescoço com força querendo me estrangular.

Amor? Bom, eu vivo o amor... Tenho um amor. Mas hoje é é insegurança. Acredito em que me traiu.É, o amor me traiu sim. Eu sei, mas finjo não saber, é melhor assim. E ainda estou junto, porque? Fácil de responder : Por medo do futuro. Medo de estar sozinho, me submeto a essa situação, pra espantar a solidão. Chamo isso de amor. Estar junto, aguentar as coisas, engolir os sapos, fingir que não vejo... Mas meu coração, esse murchou faz tempo, junto com o desejo. Sim, isso é casamento, estar junto... Amor é suportar. Bom, acho que a única definição que posso dar de amor. Mas as vezes sinto falta de quanto tudo era cor de rosa. Agora... Agora é traição, desconfiança, repulsa... Agora é como se eu visse o amor por uma vidraça suja embaçada. Talvez seja porque eu não quero ver o que está por detrás da vidraça, é mais comodo assim.

E vou levando, caminhando, e sozinho no meio de tanta gente. Muita gente na rua, mas não conheço ninguém, vejo os pés de todos, diferentes demais... De todos os tipos e cores. De todos os calçados ... Ou os descalços. E não ergo a cabeça, continuo caminhando vendo os pés dos que também não me veem. Sinto falta daqueles que me enxergam, mas todos estão longe demais e ocupados demais. A vida tira isso da gente né... As amizades não duram, ou melhor duram, mas a vida nos afasta e quando você percebe lá se vai uma década... E no fim de tudo ou melhor no meio de tudo, você se vê sozinho.

Vou seguindo meu percurso e vejo a noite. Ai eu paro. A noite, escura demais, fria demais, assustadora como o futuro... Mas vejo algumas estrelas ainda teimam em piscar. E parado percebo que ergui a cabeça. E fico vendo a noite. É escura, sim mas também tem vários tons... Tem preto, azul, cinza, roxo... E tem os brilho das estrelas. Engraçado, a noite não é tão escura quanto a gente pensa. Agora me envolvo nela e continuo a caminhar, a noite me seduziu e eu comecei a olhar pra cima, vendo que a imensa escuridão tem de certa forma suas luzes... E as horas vão se passando e vejo a noite se colorir.

Aurora... Aurora... O céu vem mudando. A escuridão não durou pra sempre, passou. Sim! Passou... Futuro chegou, futuro de um novo dia, nova esperança... E é tão claro, tão colorido, tão diferente do que pensei. E demorou pra eu perceber que até em meio a escuridão houve brilho. O futuro chega rápido, e se veste de presente. Bom, talvez seja um bom nome, afinal quem não gosta de presentes?

Então o que eu faço? Parei no meio da rua e fiquei olhando o céu. O futuro chegou... Não o meu futuro, mas o futuro que não para, o mundo girou. O mundo não vai parar por mim, ou por ninguém. A minha dor não sumiu, o meu medo também está aqui...Será que isso é um sinal de que agora tenho algo que possa me fazer dar um passo, pelo menos mais um passo. Quem sabe isso é a tal esperança. Não sei... Ainda me sinto perdido, mas confesso que olhar o céu me fez bem. Admirar o céu acabou me dando essa "lição". O céu mudou, se renovou, e a escuridão brilhou.

Mas e agora? Amanheceu, o que eu faço? Não sei... Ah! Que se dane! Respiro fundo, ergo a cabeça e dou mais um passo... E outro... E outro...

Aloísio Andrade
Enviado por Aloísio Andrade em 23/04/2015
Reeditado em 23/04/2015
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