DOZE ANOS NA JANELA

 
      José Padoan era muito conhecido na cidade há muitos anos morava ali, um excelente profissional, pedreiro, carpinteiro, eletricista, fazia de tudo na construção, pegava a planta na mão e entregava a chave da casa pronta ao proprietário. Tudo isso feito numa época que não havia trena, furadeira, serra circular , lixadeira elétrica, betoneira etc...
       As madeiras eram cortadas com serrote, furadas com o arco de pua e os encaixes eram feitos com o enxó e formão, para medir usava-se o metro aquele todo dobrável.
    José também não tinha estudo nenhum para tais funções, era alfabetizado o que poderia hoje chamar de ensino fundamental incompleto, aprendeu tudo trabalhando e foi aperfeiçoando até se tornar um exímio construtor.
     Homem enérgico no trabalho, exigente com seus auxiliares e ás vezes grosseiro no trato com a família e com aqueles que o cercavam.
      Era de uma família de imigrantes italianos que vieram para o Brasil trabalhar nas lavouras de café, seu pai depois de muitos anos morando e trabalhando em fazendas, mudou para cidade onde ele começou a trabalhar na construção civil.
      Morava numa velha casa de madeira grande escura, nunca casou, não se sabe porque, se namorou ou não também não se sabe, vivia com o pai idoso um irmão e uma irmã também solteirões. Em 1972 morreu o irmão de acidente de automóvel, em 1973 morreu o pai de velhice e em 1977 morreu a irmã vítima de um câncer de mama. 
     José ficou sozinho naquele casarão, daí teve a ideia de convidar para morar com ele uma irmã mais velha casada que morava em outra cidade e que o marido não ia bem de saúde, assim passou a viver com a irmã e o cunhado por um tempo até que este também morreu ficando somente ele e a irmã, esta cuidava da casa, da roupa e da alimentação dos dois. 
    Dizia que quando jovem foi bom jogador de futebol, mas agora passado da idade o seu passatempo favorito era jogar bocha.
     No ano de 1988 José sentiu um braço adormecido, ficou preocupado pois a tempo tomava remédio para controlar sua pressão arterial. Procurou o médico da cidade que suspeitando que pudesse ser algo grave o encaminhou a um hospital em outra cidade.
     Foi imediatamente internado porque ficou constatado um AVC (acidente vascular cerebral), necessitava de um tratamento rápido para evitar sequelas, mas neste ínterim ocorreu que uma ulcera rompeu causando uma hemorragia, esse fato novo mudou os planos dos médicos que tinham que socorrer primeiro a hemorragia que poderia levá-lo a morte.
     Enquanto isso as conseqüências do AVC foram inevitáveis, o cérebro ficou prejudicado. Depois de um tempo no hospital recebeu alta, voltou para a casa más perdeu o movimento de um lado do corpo e a fala, permanecendo com a memória e as outras funções normais.
     Diante desta nova situação José andava somente dentro de casa, com auxilio de uma muleta arrastando um lado, um irmão casado que morava bem próximo o ajudava na sua higiene pessoal, quando este não podia era um sobrinho que fazia o trabalho, assim foi pelo resto de sua vida.
    José tomava vários comprimidos por dia, o seu irmão um dia descobriu muitos comprimidos escondidos embaixo do braço de sua cadeira e no seu quarto, comprimidos que ele fingia tomar e os escondia. Perguntado por que ele disse através de gestos que não os tomava porque queria morrer.
     José passou os doze anos seguintes, durante quase o dia todo na sala sentado numa cadeira olhando a rua por uma janela, onde ele via os conhecidos que passavam, o cumprimentavam ele ouvia, entendia, mas apenas balbuciava uns sons, não conseguia falar.
    Quando alguém, parente ou amigo, ia visitá-lo ele resmungava alguma coisa e chorava muito, sua irmã o acompanhou por aproximadamente dez anos, vindo também a falecer deixando José novamente sozinho no casarão, foi necessário o irmão contratar uma pessoa para ajudá-lo e passar a noite com ele.
     Devido a sua invalidez com o passar do tempo, aconteceu o que geralmente ocorre com quem fica muito tempo impossibilitado de sair de casa por causa de doença, foi ficando meio esquecido pelos amigos.
    Quando depois de doze anos neste calvário finalmente morreu,  poucas pessoas participaram de seu funeral, muitos não ficaram sabendo em tempo, entre aqueles que participaram ninguém chorava, apenas alguns parentes próximos tinham olhos vermelhos um pouco marejado de lagrimas, nada mais.
     Muito triste ver alguém partir sem que ninguém chore por ele, o ser humano não foi criado para viver sozinho, tem que constituir uma família para quando chegar o momento de sua partida para a eternidade deixar alguém chorando, um velório sem choro nenhum é mais triste do que aqueles que tem muitas pessoas chorando.
João Batista Stabile
Enviado por João Batista Stabile em 25/04/2015
Reeditado em 15/02/2020
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