O Casulo

No alto do farol, uma mulher andava silenciosamente. De janela a janela, observava a imensidão do mar ao entardecer. O sol, fogo aceso e alaranjado, mergulhava gradualmente no mar, já com a metade coberta pela água a longa distância. Era como um navio solitário que naufragava pouco a pouco. Os raios ainda clareavam os olhos dela, que nessa luz clara e precisa, pareciam afundar a íris em lágrimas quietas e metrificadas. Tal como o sol afundava no mar... Brilhavam. No entanto, não chorava de fato. Às vezes, o chapéu lhe cobria a face com sombra fria, e tinha de virar - se mecanicamente para novamente receber a iluminação aquecida e aconchegante que se despedia. Mas o frio dormia dentro de si. Todavia, lhe garantia paz.

O rangir da janela balançando com a bruma, era um barulho violento para o coração. Este, pulsava entre curtos intervalos, acompanhado por um respirar monótono, discreto, quase inexistente. Em suas mãos, havia uma carta antiga, de letras antigas. As manchas de areia na extremidade, se esclareciam até o centro do papel num nude claríssimo. Ia jogando os retalhos ao vento. Aquelas sílabas escritas, se revirando, davam - lhe sutilmente uma sensação de solidão. Alguém que jogava em pedaços no oceano.

Então lembrava do dia em que a lera pela primeira vez, num campo onde só havia ela. Lembrava da surpresa presente nos lábios. Abertos e espontâneos, acompanhando letra por letra. As mãos trêmulas a confundir a leitura, o corpo deitando -se com infantilidade sobre a relva, emaranhando os cabelos em flores e folhas. Do seu agradecimento pelas palavras... Depois, foram os dias relendo. Esperança retomada.

Com o tempo, foi percebendo. Jamais se convencendo. Nada era mais frio que seus abraços em torno de si mesma. Nem mais fundo que o chão de sua casa ou mais deprimente que os cômodos vazios. Aquele cenário mudado. Todos foram. Afundaram -se em qualquer lugar. Costumava saber onde se perderam... Agora já não sabe mais. Não pensa mais. Apenas revive os corpos dançantes, as sombras dos corpos pelos caminhos. O movimento contínuo dos lábios junto aos olhos, as expressões... Cada um com seu próprio jeito, sua diferença. Conhecia cada uma delas. E agora despedaça a carta na procura de apagar essas memórias de luz, simplesmente, porque conseguira transformar o que era paz em tormento. Em solidão. Em saudades... A carta de alguém... A resposta que tanto esperara. Sem remetente... Ou talvez nada disso. Quem escreveu, afinal? Já fora o tempo de responder, o cruel tempo que confunde seus desejos com realidade. A resposta que dorme distante. Há tanto esperara por tão pouco e não pôde colher sequer migalhas! Migalhas são o que se desfazia em suas mãos e que lançava ao nunca mais.

E enquanto despedia - se dessas genuínas recordações, uma borboleta de tons claros voava tontamente ao seu redor. A mulher a via perder as forças, depois retomá -las. Era a atriz que a representava naquele instante. Era um espelho de si mesma. Era, enfim, aquela borboleta. De tons claros...E quando percebeu o cansaço daquela humilde criatura, desesperou - se. Quando percebeu sua vontade em resistir, transmitiu - lhe um olhar carinhoso. Uma pena crescia a cada segundo. Se viu seguindo com olhos fixos o inseto que voava à sua frente. Implorava sensivelmente uma única frase que lhe era crucial : "Não morra, por favor! "

As lágrimas caíram como rios. O sol de seus olhos se afundou. Sua voz falha calou -se. Apenas observou a borboleta morrer devagar na janela. No momento em que finalmente se foi, a mulher selou os dedos nos lábios e depois nas pequenas asas finas e sensíveis que a tão pouco tempo a sustentara no ar... "Eis o que sou, afinal"- pensou consigo. E só após longas andanças, a praia já anoitecida, percebeu o essencial. Não deixara de receber de si mesma, o último beijo. E que esse carinho com ela mesma, nada mais era senão a força entregue às suas próprias asas, prontas para voar outra vez.

Beatriz Beraldo
Enviado por Beatriz Beraldo em 16/05/2015
Código do texto: T5244271
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