Feliz Demais para Sorrir

Talvez não fosse para tanto. Ou talvez sim. Os passantes simpatizavam ou se sensibilizavam com a cena, mas não tinham idéia do porquê sentir isso. E mesmo que passasse pela cabeça de alguém tocar em seu ombro e perguntar a causa de tamanho desalento, ou alegria, a dúvida não seria esclarecida, ao menos de imediato; daquela boca nada sairia, a não ser um sonoro grito, que não tardaria a se pronunciar.

Chorar em silêncio descreve essa interrogação aos alheios, pois quando o resto do corpo se atreve a acompanhar as esguias e salgadas lágrimas, fica mais fácil de compreender a situação. Se escoltado por largos sorrisos, os curiosos identificam o choro como uma conquista, glória, vitória, enfim, algo que possa causar a reação. Se a face se contorce em horrendas caretas, ou as mãos se unem em forma de concha para esconder o rosto, sabe-se que a tragédia pousou naquele particular cidadão.

Mas sequer um repuxo facial, uma piscadela lenta e dolorosa ou um soluço. Nem mesmo um suspiro, daqueles que arqueamos os ombros antes de cuspir o ar como uma flecha, para que o mistério seja solucionado. O rapaz permanecia estático: olhos marejados fixos em um ponto qualquer da parede branca, o rosto marcado por rumos indecisos das lágrimas, as costas sobre o encosto estofado da poltrona e um esquecido copo com café em suas mãos.

Cena ordinária, sim, já que o palco dessa monótona e intrigante desventura é um hospital. Mas o que se espera das demonstrações de sentimento em locais assim é justamente a palavra que dá nome ao tipo demonstrativo, e não uma estátua de carne e osso, desempenhando um excelente papel sobre a luz fosforescente das lâmpadas tão frias quanto o café que segura.

Foi quando uma jovem garota atravessou o vazio do seu campo de visão com um bebê protegido em seus braços que despertou do torpor. Momentos atrás fora abençoado com uma criança também. A filha, segundo o médico, nasceu com problemas. Não importa, retrucara de bom grado. Cuidaria dela e a amaria. Assim são os pais. Minutos depois descobriu que tinha uma irmã. Uma tia para sua filha. Antes que mais lágrimas de alegria escorressem diante das boas novas, descobriu que, além de pai, ele também seria tio.

Lembrar dói. Lembrar envergonha. Ele é pai. Sua mulher, mãe. A felicidade existe, quer sair. Mas não sai, por vergonha. Grita. O copo de café cai e mancha o piso claro do hospital. A felicidade não sai; a vergonha fica. O grito se abafa à medida que o ar dos pulmões se exaure. Lágrimas de alegria ou de tristeza, ambas salgam os lábios quando escorrem. Feliz demais para sorrir.

Ricardo Sorrenti
Enviado por Ricardo Sorrenti em 14/06/2007
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