Padre Osmar. Um caipira de Deus.

São poucas as pessoas que conhecem a cidade de Lagoinha. A cidade é conhecida como o município mais católico do Brasil.

Hoje já falecido, escuto histórias constantes sobre um padre que residiu na cidade durante muitos anos. Há maioria das pessoas o consideram um homem Santo.

Na semana passada eu fui passar o final de semana no meu sítio, que fica quase no centro da cidade. Chegamos no meu Pedacinho do Céu por volta das 21 h, estávamos cansados e fomos direto para o quarto guardar as nossas bagagens. Meu filho, meus netos, e alguns amigos já estavam no sítio desde manhã.

Eu cansado. Aline cansada.

--- amor... veja a chave.

Ela olhou para mim, como se dissesse; que chave.

Fiquei esperando.

--- amor, não fique nervoso, esqueci de pegar a chave do quarto.

Eu não gosto de trancar portas, gosto de tudo aberto e livre, mas ela tem a mania de fechar tudo, o mais engraçado é que depois esquece as chaves.

Não posso negar que fiquei nervoso. Estava muito frio, e nossos cobertores, nossos travesseiros. Tudo o que era pessoal estava guardado dentro do quarto.

Chamei o meu filho André e lhe dei a triste notícia.

--- filho... quem esta dormindo no quarto da Taty? – minha filha, minha princesa.

--- a prima Paula, pai. Porque?

--- porque esquecemos a chave do nosso quarto e eu não vou dormir em colchão no chão, estou cansado, e quero cama. Explique a situação para ela, que eu já estou subindo para o quarto.

André me olhou um pouco preocupado, mas sabia que eu não iria deixar de dormir confortavelmente depois de uma semana de trabalho exaustivo, queria descanso e o teria a qualquer custo.

Aline ficou com os olhos cheios de lágrimas.

--- amor... eu volto para casa e pego as chaves.

--- claro que não, amanhã nós procuramos um chaveiro e tudo ficara resolvido. Vamos passar um pouco de frio, mas nada que os nossos corpos não resolvam. Sorri. Ela também sorriu.

Manhã seguinte.

Acordamos bem cedo, tomamos um café ralo, e conversamos com o Di, meu caseiro e filho adotivo.

Precisava de um chaveiro urgente. Ele me passou o telefone.

Liguei.

--- alo. – Mercearia Parada Obrigatória.

--- bom dia. Acho que liguei errado, estou procurando um chaveiro.

Escutei uma risada gostosa do outro lado da linha.

--- pois é amigo, aqui somos de tudo um pouquinho. Butéco, mercearia, chaveiro, e jogador de futebol.

Eu ri da afirmação.

--- pois então estou precisando do chaveiro, é o senhor.

--- sim. Claro. Meu nome é Carlos, tenho um butéco bem em frente a Igreja do Padre Osmar.

A menção do nome do padre atiçou a minha curiosidade.

--- ela já morreu pelo que sei. – afirmei.

--- morreu sim, mas sua bondade, sua santidade continua aqui em Lagoinha, sou devoto do Padre Osmar.

--- devoto como, ele não é santo.

--- para nós, os moradores de Lagoinha, é sim.

--- ok. Preciso de sua ajuda para abrir a porta do meu quarto. O senhor tem tempo disponível para isso.

--- claro. Mas tem que vir me buscar aqui no Butéco.

--- em cinco minutos estou ai, fica em frente a igreja, é isto?

--- exato.

--- tudo bem, já estou saindo.

Eu estava querendo resolver logo o problema. Queria também cortar o cabelo, comprar pão e mortadela. Nem bem acabei de falar e já estávamos eu e a Aline dentro do carro.

O sítio fica bem próximo a cidade. Contornei a praça e vi o letreiro na porta de um bar na esquina. PARADA OBRIGATÓRIA.

Parei o carro e desci, Aline ficou esperando.

--- bom dia. Estou procurando o senhor Carlos, o chaveiro.

Havia dois senhores encostados ao balcão tomando uma cerveja preta e degustando um queijo apurado.

O homem de trás do balcão respondeu.

--- bom dia, sou eu mesmo, qual o tipo de fechadura da porta.

Expliquei com detalhes o que eu tinha visto na porta.

--- vai dar trabalho.

Um dos senhores me perguntou.

--- o senhor é da cidade?

--- não, tenho um sítio aqui, e venho sempre que posso. - respondi.

--- nós somos de S.Paulo, e também temos um sitio aqui, o melhor lugar do mundo, não parece nada com onde eu moro. Aqui as pessoas parecem viver em outro mundo, paz, tranqüilidade, honestidade, amizade.

Eu entendia perfeitamente o que ele queria dizer.

--- é verdade, é por isso que eu estou sempre aqui.

O dono do bar interrompeu nossa conversa.

--- gente a prosa está boa, mas eu tenho pouco tempo. Vou chamar a esposa para tomar conta do balcão e vamos resolver seu problema. – assim dizendo ligou do celular para sua casa contou o ocorrido. Em pouco tempo lá estava a esposa.

--- Carlos, veja se não demora, eu estava fazendo bolinho caipira para a festa da quermesse.

--- eu sei amor, fique tranqüila, tome conta do balcão, e eu volto correndo.

Trocaram um beijo apaixonados, e ele entrou em meu carro.

Em pouco tempo estávamos já no sitio e ele começou o seu serviço, tinha pouca luz para iluminar a fechadura, então improvisamos dois celulares.

Primeiramente ele tentou usar pequenas limas para abrir a porta. Nada feito.

Depois, usou outra técnica com pequenas chaves de fendas, foi quando se feriu perfurando a mão. Sangue. Dor. Porém Carlos continuava tranqüilo. Aline nervosa, vendo a mão ensangüentada do chaveiro.

--- moço, pode parar, eu volto para Pindamonhangaba, e pego a chave.

--- obrigado pelo moço, moça, mas eu não paro enquanto Padre Osmar não fazer eu abrir a porta.

Eu ri.

--- Oque padre Osmar tem a ver com isso.? – indaguei um tanto descrente.

--- depois eu explico.

A abertura da porta do meu quarto era importante, porém as explicações que Carlos daria depois aguçavam a minha curiosidade.

Foram mais alguns minutos. Logo a porta estava aberta.

--- pronto doutor. Vou trocar o miolo da fechadura, colocar uma nova, e deixar duas chaves.

Abracei Aline que se um grande feito tivesse acontecido. Agora poderíamos dormir em nosso quarto.

--- quanto é o serviço? – indaguei enquanto ele arrumava seu material de trabalho.

--- quarenta reais.

Pensei.

Muito barato.

Paguei.

Entramos no carro e eu não podia deixar de perguntar.

--- então senhor Carlos, porque o padre Osmar é tão importante em sua vida.

O chaveiro, sentou-se no banco de passageiro, abriu sua maleta e mostrou-me dois grampos de cabelos. Um maior e outro menor.

--- vou explicar. Há quinze anos eu cheguei nesta cidade. Sem eira, sem beira. Vim de uma cidade pequena de Santa Catarina, desiludido no amor, desiludido com a vida. Ficava o dia inteiro sentado ali em frente à praça, tomando cerveja neste butéco que agora é meu. Hoje não bebo mais, às vezes uma cerveja com os amigos.

Em um desses dia em que eu ficava sentado, vi um tumulto em frente a Igreja. A confusão começou as 9 horas, logo após o término da missa do padre Osmar, e já eram 10 horas e um amontoado de gente estava ali circundando um veículo.

Eu não tinha a mínima vontade de saber o que estava acontecendo, pensava. Cada um com os seus problemas, logo aquele não era um problema meu.

--- o que esta acontecendo. – perguntei para um menino que passou pertinho de onde eu estava sentado.

--- tem uma criança presa dentro do carro, acho que vão quebrar o vidro, o sol esta muito quente e ela chora muito.

Fiquei quieto no mesmo lugar, como eu disse não era problema meu.

Padre Osmar já estava bem velho, e tão logo terminava a missa ia para seu conforto. Ele foi chamado, e assim que chegou foi recebido como que se ele fosse fazer um milagre e a porta do carro se abriria por encanto.

Foi nesse ponto que a minha vida mudou completamente.

Padre Osmar, olhou a criança dentro do carro, fez um gesto de benção e a criança como um gatinho se aconchegou no banco e adormeceu.Depois, o Santo homem, saiu do meio da multidão e veio em minha direção.

--- bom dia.

--- bom dia. Disse eu, pedindo a benção do santo padre.

--- venha... você vai abrir a porta do carro.

--- eu, como assim, eu não sei fazer isso.

--- sabe sim, venha até aqui.

Eu fui. Como um servo que obedece cegamente o seu condutor.

Aproximei-me do carro. Uma multidão cercava o veículo.

Pedi dois grampos um grande e um pequeno.

Eu nunca tinha feito aquilo, não sei que me deu este dom. Deus. Padre Osmar?

Só sei dizer que em poucos minutos, a porta do carro estava aberta.

A multidão, como acontece em grandes salvamentos, me aplaudiram, me ergueram em praça pública.

Desde este dia eu me tornei o chaveiro da cidade.

Padre Osmar se afastou tranquilamente, ele tinha dado a Luz a mais um discípulo.

Obrigado padre Osmar.

Ton Bralca
Enviado por Ton Bralca em 09/06/2015
Reeditado em 29/07/2015
Código do texto: T5271204
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