Lembra disso, Brotinho?

 
     Dona Amélia tinha acordado melancólica, com uma vaga tristeza apertando o peito, não com força, só uma pontinha de saudade gritando na alma.

     Vindo de fora da casa, na varanda, ouviu o convite do seu velho companheiro - Brotinho, um cão quase tão velho quanto a gíria que lhe dera o nome. Ele chorava sentido pelo esquecimento do compromisso diário firmado desde a morte de seu Benjamim, o seu esposo querido e que Deus o tenha.

     Lá fora, sentada na cadeira de balanço, ela pensava em voz alta, enquanto acariciava os pêlos de cachorro: - Que falta sinto das minhas certezas, de não duvidar de nada, de saber todas as respostas. Deu uma risadinha e consertou: - De achar que sabia todas as respostas, agora já nem tenho certeza se existe alguma. O mundo mudou tanto, que mal consigo aprender as perguntas, Broto. Tenho tanta dúvida, que nem sei o que perguntar.

- Tem hora que nem sei do que estão falando na tv, tem tanta gíria que parece que estou em outro país. Tem hora que depois que entendo o assunto, não sei por que estão dando tanto importância para aquilo.

- Acho que já vivi demais para acreditar que faz alguma diferença quem manda na gente, vamos ter que obedecer de qualquer forma. Não vejo o benefício de gays não casarem de papel passado, eles vão morar junto de qualquer jeito, e se forem lésbicas podem ter filhos e ninguém vai impedir. E ainda tem esses árabes malucos matando todo mundo que não pensa igual a eles, vai faltar bomba pra acabar com a discórdia.

- Quando eu era jovem, mulher nem tinha que pensar muito, só cuidar de casa e das crianças, o Benjamim que se preocupava com as coisas, essas difíceis de entender e depois me explicava quando tinha tempo ou paciência, tomando cafézinho depois do jantar.

- Lembra disso, Brotinho?

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