CONTRASTES DE GERAÇÕES

Oriundo de família pobre e numerosa cujos maiores legados deixados por nossos pais foram o gosto pelo trabalho e a honradez, costumes já um tanto fora de moda no mundo atual, ainda tenho alguma dificuldade em assimilar certos comportamentos por parte da nova geração.

Não obstante seja formado em Administração de Empresas, tenha concluído dois cursos de pós-graduação, detendo, como não poderia deixar de ser, no mundo atual, inúmeros cursos de atualização, tenha um bom emprego, cujo salário, embora não seja lá dos melhores, é suficiente para as minhas despesas e de minha família, realizo, com orgulho e alegria, diversos trabalhos extras, aos sábados e feriados.

Em flagrante contraste, certo dia, quando ocupado na recuperação de um telhado, no alto de uma cumeeira, há 10 (dez) metros de altura, preso por um limitante cinto de segurança, oprimido na estreiteza de uma balouçante plataforma por mim improvisada, composta apenas de uma tábua, suportada em cada uma das pontas, por corda de sisal, dividindo o ínfimo espaço com ferramentas, em uma gélida tarde de inverno, ouvi o seguinte comentário de um jovem, que passava apressado em companhia de outros três companheiros:

“Eu robo mesmu, purquê se eu pidí ninguém me dá e eu num vô ralá um mês intero prá ganhá uma merreca de salário mínimo.”

Lá do alto eu me virei para fitar os jovens, marrentos, com aqueles andares de “papagaio malandro”, cabelos tingidos e espetados, bermudas da moda e em cujos pés ornavam pares de tênis de marca, o que me levou à seguinte reflexão: pois é, a rigor eu nem precisava estar aqui trabalhando, no desconforto desse vento frio, em uma tarde de sábado. Contudo, convicto de que o trabalho nos torna mais dignos, cá estou, feliz e radiante por estar me ocupando de algo tão nobre. Fazendo o que muitos, por preguiça ou medo, negaram-se a fazer.

Um outro episódio recente, que me fez recordar dos velhos tempos em que a palavra empenhada e o “fio de bigode” valiam mais do que um contrato formal, ocorreu-me na tarde do sábado – 04/07/2015: fui a uma dessas lojinhas de bairro, nas quais se encontra quase de tudo, para adquirir alguns itens para um trabalho extra que eu estava realizando para um cliente.

Sendo eu freguês de longa data, as pessoas daquela loja já me conhecem, visto me atenderem com relativa frequência.

Tendo sido sugerido e autorizado pelo tomador dos meus serviços fui até aquele estabelecimento, adquirir algumas miudezas, com vistas a dar sequência às minhas atividades.

Ao me reportar ao atendente, ouvi dele o seguinte: “Eu não posso vender sem autorização dele, porque senão eu não recebo. Se você ligar pra ele e ele autorizar, aí tudo bem!”.

Detalhe: o meu cliente havia pago o saldo de sua conta no dia anterior e eu próprio, na parte da manhã, comprara itens vários, tendo a notinha, uma vez por mim assinada, gerado nova conta a pagar àquele ao qual, naquele momento, eu representava.

Diante da recusa, liguei para o meu cliente passando o telefone ao vendedor.

Após se certificar de quem estava do outro lado, ouviu a seguinte colocação por parte do meu ordenador: ”esse rapaz é de confiança, você não conhece ele não? Se ele quiser levar a loja toda, você pode entregar para ele”!

E o resistente respondeu: ”a loja toda eu não vou entregar não, senão eu não recebo”! Em seguida, meio sem graça e procurando amenizar, declarou: ”eu só queria ouvir a sua voz”!

Embora o fato tenha-me incomodado, procurei compreender o lado do jovem e desconfiado comerciário. Afinal, não tendo conhecido tempos melhores, a volátil realidade da geração à qual pertence, não lhe faculta outra coisa, senão a desconfiança.

Rafael Arcângelo
Enviado por Rafael Arcângelo em 07/07/2015
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