Álbum de Fotografias

Percorro com meus dedos a capa esverdeada do caderno de fotografias, já faz tempo que não abro, e com um leve movimento, escancaro minhas memórias. Leonardo e Laura, ainda meninos.

Meu filho sempre foi daqueles moleques espevitados, de brincar e correr na rua, de um mundo próprio para o qual não nos convidava. Coisa de menino. É com angústia que me recordo quando ele, adoecido, foi obrigado a se isolar por dias numa cama. Nós, eu e a mãe dele, ficávamos ao lado sempre que podíamos. Tinha noites em que eu observava o rosto entristecido e só me recolhia quando o peso do dia fechava meus olhos.

Minha filha, como toda garota, estava sempre mais perto de mim. Carinhosa e esperta, conversava, perguntava, era uma de minhas melhores amigas.

Sinto algo estranho, a garganta seca, meio inchada, os olhos pesados e o coração batendo forte. Deve ser o pó.

Fecho o álbum de fotografias, me levanto da cadeira e observo o reflexo no espelho da parede da sala. Meus cabelos sem cor, minha pele seca, meus lábios rachados. E me lembro do dia em que veio a notícia.

Laura tinha uns 16 anos na época. Meu amor era enorme, mas eu sabia que não era uma jovem bonita e que isso dificultava no relacionamento com garotos. Pais precisam ter este olhar realista para entender os filhos. Ela chegou de madrugada, depois de alguma balada com os amigos, e me encontrou sozinho na cozinha.

- Pai - disse sentando-se na mesa e olhando para meus olhos - eu preciso falar uma coisa. Eu sei que a mamãe não vai entender, mas eu espero que você entenda. Eu... bem... eu estou namorando um garoto. - E abriu um sorriso.

Perguntei nervoso se ela estava grávida. Afinal, ela nunca tinha namorado antes, tinha uma ingenuidade que poderia levar a isso. Mas a resposta foi negativa. Disse que estava feliz e apaixonada, mas que não era inocente e por isso nada de ruim iria acontecer com ela. Nos abraçamos por um tempo. Eu e ela, sozinhos, recordando histórias de infância e momentos em família. Momentos de amor.

Levo minhas mãos calejadas ao rosto e enxugo meus olhos. Minha esposa está sentada ao meu lado, em silêncio, olhando para uma parede sem quadros, pensando em Leonardo ou quem sabe pensando em Laura.

Sento na cadeira. Minha esposa ao lado da mesa onde está o espelho e, eu, do outro. Ela permanece calada. Olho para a mesinha e vejo o vaso rachado. Toco nos livros da prateleira de baixo, livros que marcaram a vida de minha família. Infantis, colégio, esportes, música. Lembro de Leonardo, quando tocava violão para a gente, quando cantávamos e dançávamos, quando ríamos juntos.

Permaneço sentado, como minha esposa. A parede suja combina com a mesinha antiga do espelho velho. Com o vaso rachado e as flores murchas. Com os livros empoeirados. Combina com as cadeiras de madeira. Combina comigo e minha mulher. Combina com o que sinto e vejo. Só vejo nós dois. Eu e ela. Eles não estão mais aqui. Estão com seus filhos, meus netos, que eu amo tanto. Mas não estão mais aqui.

Ouço o som do telefone. Levanto e atendo. Reconheço a voz de Leonardo. Falo com meu filho e entrego o telefone para minha esposa. Ela abre um sorriso e escuto o som da voz dela, o som verdadeiro da voz dela, som que não ouço mais quando estamos sós. Quando só estamos eu e ela.

Percorro meus dedos na capa esverdeada do caderno de fotografias que há muito tempo eu não abria e com um leve movimento escancaro minhas memórias. Sei que ali estou feliz.

Santos-SP - 27/04/1997

Daguito Rodrigues
Enviado por Daguito Rodrigues em 10/07/2015
Código do texto: T5306658
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2015. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.