Curiosidade, uma arma mortal.

Amanheceu um sábado como qualquer outro. E talvez tivesse continuado assim, se eu ficasse em casa, porém, nada melhor para esquecer os velhos problemas do que sair para espairecer ou arrumar novos problemas.

Sai com um destino certo, e peguei o ônibus para o centro da cidade. Ele estava vazio, então pude aproveitar o pequeno passeio com tranquilidade e conforto.

O céu mostrava-se azul, o sol incandescente e as nuvens fofas e branquinhas. Com certeza eu teria um bom dia.

Saltei em uma praça do centro, onde havia muita gente passeando pelas calçadas entre os jardins e, nas ruas, o movimento dos carros era volumoso e constante.

Caminhar calmamente pela praça na companhia dos transeuntes, no bolso eu levava um punhado de milho e a tiracolo minha máquina fotográfica. Afinal de contas, esta não seria a primeira vez que eu alimentaria os pombos para depois tirar suas fotos.

Depois de várias poses, caminhei até uma banca de jornal e revistas, mas antes que eu pudesse comprar um jornal, um alvoroço passou a existir atrás de mim.

- Corre lá - gritou alguém.

- Ajudem! Ajudem! - pedia outro.

- Olha só o coitadinho - falou uma voz de mulher.

Virei-me assustado e vi um amontoado de pessoas que se agrupavam ali perto. Aproximei um pouco, mas não vi nada de anormal, a não ser alguém ajoelhado.

As pessoas começaram a se alvoroçar e a gritar, por isso afastei-me um pouco, atravessei por um canteiro do jardim e me deparei com um lírio solitário, pensei em fazer uma foto, mas a multidão aumentava e me fizeram recuar. Por fim consegui escapar dos esbarrões dos apressados ficando um pouco mais longe.

Foi neste local que uma cena me chamou a atenção. Vi um engraxate, que, sentado em sua caixa, observava duas senhoras que conversavam ali perto. Falavam alto e gesticulavam com as mãos, então passei a olhar a cena com alguma curiosidade, prestando atenção no que falavam.

- Eu acho que foi atropelamento - disse uma das velhinhas e que segurava um guarda chuva na mão.

- Foi mesmo? - Perguntou a outra senhora que tinha uma aparência mais doce.

Não perdi tempo, tirei uma foto e sumi em mim, fiquei um instante pensando sem achar nenhuma resposta, até que acordei. Atropelamento? Como pode ser atropelamento? Aqui no meio da praça e cerca de uns cinquenta metros da rua? Não pode ter sido atropelamento!

- Chamem a polícia! - gritou um senhor de gravata.

Os ônibus paravam no ponto e os passageiros saltavam e corriam para dentro da praça, para ver o que estava acontecendo.

- Foi briga? Foi briga? - Perguntou o cobrador.

- Não sei não, mas parece que machucaram uma criança.

- Meu Deus! Uma criança? Já chamaram a ambulância? - Perguntou assustada uma senhora gorda.

Atravessei a rua e lá também havia rumores sobre o que teria acontecido.

A polícia chegou logo. Eram três viaturas e seis policiais, logo atrás chegou uma ambulância com seu motorista apressado e desastrado que parou no meio da rua. Um senhor sexagenário, com seu fusquinha sessenta e seis, branco, chegou correndo e acabou arrebentando a ambulância, que além de mal estacionada, estava sem freios e movendo-se com o impacto chocou-se com duas viaturas, uma destas, disparou a sirene. E o ruído só parou quando um dos soldados desferiu três tiros no aparelho barulhento. Mas este ato provocou um curto-circuito, que incendiou a viatura.

- Os marginais estão atirando de novo. - Gritou um camelô, que vendia suas bugigangas ali perto.

- Atirando de novo? Pensei em voz alta. Mas quando foi que eles atiraram a primeira vez?

- Bang... Bang... Bang... - Imitava, com a boca, um menino mostrando seu revólver de brinquedo.

- Pega o ladrão! Pega o ladrão! - Gritava o dono da banca de jornal, correndo de um lado para outro.

Não demorou muito para que a rua se enchesse de curiosos, mais policiais acabaram chegando, e nisso a confusão se armou de vez. Gritos de socorros e de pavor vinham de toda a praça.

- Olhem o homem nu. Não percam o homem nu - gritava o ambulante, com um jornal nas mãos, onde estampava na primeira página a foto de um homem nu, que semanas antraz aterrorizou uma cidade no interior. As mulheres começaram a correr para todos os lados, umas gritavam de medo de serem atacadas pelo tarado, enquanto outras corriam a procura dele. Hoje ele está internado no hospício, mais este caso conto outro dia.

Os bombeiros chegaram. Não apagaram o fogo da viatura, mas conseguiram pôr fogo na ambulância. Que queimou toda e soltou uma fumaça preta. Fotografei-a.

Um açougueiro saiu na rua todo sujo de sangue, ele trazia em uma das mãos uma faca também ensanguentada, foi acusado por uma “madama” como sendo o matador da Rua Suíça. A turma que ouviu o que ela disse caiu de “porrada” em cima dele e se não fosse a polícia e seus fregueses do açougue, agora ele estaria morto.

Jornalistas e radialistas começaram a aparecer de todos os lados, loucos por uma notícia e de preferência uma catástrofe ou algo muito ruim. Queriam achar o morto, e seriam capazes de matar alguém só para ter a notícia.

Já era quase meio dia e eu ainda não tinha entendido nada, e foi nesse instante que a coisa piorou. Pois a velhinha do guarda chuva, chegou perto de mim apontou o dedo e disse para o policial que estava do seu lado:

- Foi aquele ali seu guarda.

- Qual? Perguntou com autoridade o soldado.

- Aquele ali. Com um trabuco na mão.

- Será que sou eu? - Pensei em voz alta, mas não deu nem tempo de respirar outra vez, o policial pulou em cima de mim, me agarrou e não pude me safar.

Fui algemado e a raiva tomou conta do meu corpo, comecei a tremer e a suar frio, e se aquela velhinha que trazia um guarda chuva e agora umas revistas nas mãos, não tivesse nenhum inimigo em sua vida até este dia, tinha acabado de ganhar um. Eu!

Fui posto no camburão com o açougueiro, o velhinho de sessenta anos e mais uns dez, e fomos para a delegacia.

É incrível, que um negócio que parece ser tão pequeno por fora coubesse tanta gente dentro, como o tal camburão.

Depois de duas horas de espera, com muita fome; três horas de explicações, com muita cede, já era tarde quando chegamos a uma conclusão, sobre o que havia acontecido.

...

- Então o senhor viu tudo isso que me contou? Perguntou o Delegado ao Pipoqueiro.

- Foi isso sim doutor.

- E o senhor pode me dizer se foi isso mesmo? Perguntou o delegado para mim.

- Foi sim Doutor, e eu ainda tenho as fotos aqui para usar como prova.

- Esta historia é a que melhor explica tudo. No meio de tantos depoimentos loucos, ela é a melhor e mais lúcida.

Tudo foi explicado pelo pipoqueiro. Ele disse ao Delegado que vendia suas pipocas lá na praça como fazia todos os dias, foi quando eu cheguei e joguei os milhos aos pombos que moram nas casas e prédios daquela região e que todos os dias pousam na praça para comer milhos de pipocas que são jogados pelas pessoas, e eu os fotografei. Nisso um dos filhotes que ainda não sabia voar direito caiu do ninho e uma ou duas pessoa tentaram colocá-lo na árvore para que não fosse pisoteado, mas as pessoas, como o pipoqueiro também, foram se ajuntando para verem a boa ação. Neste tempo a velhinha do guarda chuva, espertinha, acabou roubando revistas do jornaleiro, começou a inventar mentiras para disfarçar o crime e tentar fugir.

Este fato somado a outros casos separados e um pouco de invenção, tornou um sábado gostoso e tranquilo em um dia horrível.

A curiosidade de muitos pode ser transformada em uma arma mortal.

O açougueiro hoje passa bem, ninguém morreu ou ficou ferido gravemente, o último lírio do jardim não foi imortalizado, pois foi pisoteado pelas pessoas e nunca mais seu talo irá brotar, para ele florescer. A velhinha sumiu com as revistas e não se sabe o paradeiro dela.

Eu, hoje em dia, passo longe daquela praça e quando vejo mais do que duas pessoas paradas em um lugar público, saio de fininha para não sobrar nada para mim.

E os pombinhos da praça se quiserem que venham comer milho aqui em casa.