SUSTO DO ALFAIATE

Costura de todo tipo. Vestidos, ternos, calças, bermudas. Esta era a rotina do alfaiate Jerônimo. Mestre no ofício de costura.

Jerônimo, bem falante, benquisto na cidade, lábia de fazer inveja aos bons advogados. Por conta disso foi até eleito vereador, com número de votos superior aos políticos profissionais da pequena cidade fluminense.

- Jerônimo meu caro, candidate-se a Câmara Municipal, é vitória certa.

-Sei não camarada. Nunca fui nada nesta cidade além de alfaiate.

Aceitou a empreitada e saiu vitorioso de acordo com a previsão da turma oposicionista.

Morava em casa modesta, ajardinada nos arredores da cidade. Nada lhe faltava em termos de novidades eletrônicas: rádio, televisão e mais geladeira, fogão, cama ampla, tudo bem limpo e arrumado. Morava com sua octogenária mãe, viúva do carteiro, senhora boa, sempre de olho nos afazeres e bem estar do filho solteirão.

Na cidade nem tudo era sossego e paz. Não que houvesse guerra, discordância ou desordem. Não, não era isso, mas somente o bizarro mal humor da autoridade judicial que comandava a justiça.

O juiz era baixinho, turrão e com um humor um tanto aborrecido. Por onde passava tinha uma pitaco a propalar. Carro mal estacionado, praça suja, árvores sem poda. No fórum então, era um “deus nos acuda”. Tudo tinha que estar em ordem. Paredes pintadas, corredores limpos, cartório arrumado, sala de audiência perfumada. Porém, era humano, bom piadista, sorria ao saber que tinha uma cachacinha para ser sorvida.

O terno havia sido comprado na capital e de presente pelas mãos de uma admiradora. Azul marinho, elegante, bom corte. Porém ao vestir o agrado veio-lhe uma pequena decepção. As peças estavam enormes, iam além de sua pequena estatura.

Não podia devolver para uma troca, então pensou logo no alfaiate Jerônimo.

O magistrado pôs o terno em uma sacola e dirigiu-se para a casa do descansado Jerônimo.

- Meu caro alfaiate, tenho esta roupa. Grande e larga por demais. Faça alguma coisa e acerte-a. Foi um presente de uma distinta e não posso passá-lo à frente.

- Coisa fácil doutor. Vamos tirar a medida, fazer os ajustes com alfinetes e só. Depois às costuras.

Tudo resolvido com a medida, lá se foi o juiz, feliz da vida em saber que teria o terno dentro em breve.

No dia marcado, o juiz foi a residência do alfaiate pegar o terno, certo de que o serviço tinha sido feito. O terno azul, enfim seria posto a prova, e seria usado no encontro secreto do magistrado.

No entanto não encontrou o alfaiate em casa para lhe entregar o esperado serviço.

- “Dotô”, meu filho foi na cidade comprar aviamentos. Espere por ele, volta já, revelou a mãe do alfaiate Jerônimo.

- Aguardarei, então, por um momento, disse o magistrado.

Depois de horas de espera o juiz resolveu partir, porém deixou recado para que o alfaiate levasse o terno em seu gabinete, no fórum.

Passaram-se dias, semanas e nada do alfaiate aparecer no gabinete com o terno e nem uma desculpa por imensa demora, o que começou a dar um certo ar irritadiço no juiz, alterando o já horrível humor, que lhe era peculiar.

Certo dia o juiz resolveu voltar a casa do irresponsável alfaiate, que estava com prazo intempestivo.

Da porta de casa, ao ver o magistrado chegando com cara de poucos amigos, sabendo que teria briga certa devido a demora na entrega do terno, Jerônimo gritou para a mãe, que se encontrava no interior da casa:

- Mamãe, mamãe, veja quem veio nos dar a honra de sua ilustre visita em nossa humilde casa, o nosso doutor juiz!

A receptividade deixou o magistrado encabulado para uma briga.

Voltou para casa com o gigantesco terno que ganhara.

Ivanilton Tristão
Enviado por Ivanilton Tristão em 09/09/2015
Código do texto: T5375993
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