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SINCERIDADE
 

Para criar inimigos não é necessário declarar guerra, basta dizer o que se pensa.
 M.M. Soriano
 

O telefone tocou quando Carlos se preparava para sair, ia ao cinema. Nesse dia as coisas não lhe tinham corrido bem e preferia distrair-se sem companhia, ver um filme que lhe transmitisse boa disposição.
Ao fim de uns quantos segundos e como o toque persistisse, acabou por atender. Era a Graça.
- Então, apanhei-te nalguma situação melindrosa? – O riso dela era nervoso, atraiçoava-a.
- Não, ia a sair…
- Desculpa incomodar-te, Carlos, mas o que tenho para te dizer é muito importante e não aguento adiar mais. Vou desabafar tudo de uma vez e apenas te peço perdão por fazê-lo tão tarde. – Fez uma pausa, tomou fôlego e continuou – não sei o que tens, se é mel, se és feiticeiro ou coisa que o valha. Começaste a andar no nosso grupo, seduziste a Cláudia, depois a Rosa e agora até eu estou de cabeça perdida por ti…
- Tu? Mas eu nunca te assediei, sempre te respeitei, além disso namoras com o Ernesto…
- O Ernesto… O Ernesto não te chega para as solas… Sabes bem que é um pobre diabo… Às vezes, quando estou deitada com ele, imagino-me contigo e deliro… Ele julga que o mérito é dele e fica a gabar-se, já o presenciaste, é mesmo um tolo… Mas é contigo que eu penso estar e então tudo fica mais lindo e o sexo é maravilhoso… Não imaginavas isto? Pois é verdade, há algum tempo que estou apaixonada por ti, terrivelmente…Não me sais do pensamento. – Fez outra pausa, assoou-se e depois de respirar profundamente, continuou: - Ainda na semana passada, quando fomos os três ao cinema, na fila de entrada, por momentos ficaste encostado a mim… Eu SENTI-TE, querido… E que vontade tive que me abraçasses e me tomasses ali mesmo… - Fez uma pausa e Carlos percebeu que ela estava a chorar. - Amo-te, malvado querido - continuou - puseste-me feitiço, perdi o apetite, nem sequer me apetece estudar, decerto que vou reprovar… Não me sais do pensamento e tenho de acabar com isto senão ainda sofro mais… Ele ainda não veio do trabalho, por isso estou a telefonar-te… Sabes uma coisa? Estes dias não tenho ido à pastelaria por tua causa, desculpo-me com dores de cabeça mas na realidade não sou mais capaz de te encarar, de te olhar, estar sentada ao teu lado e não poder sequer abraçar-te e beijar-te. Sinto-me outra mulher, diferente daquela comedida, sonsinha que todos conhecem… Apetece-me fazer loucuras contigo, meu amor… Sei que nunca serás meu e se abandonar o Ernesto seria matá-lo… - Fez pausa de novo e Carlos percebeu que Graça estava a sofrer, teve pena dela. - Por isso não quero estar mais na tua presença, vou arranjar maneira do Ernesto ficar zangado contigo e assim nos afastarmos de ti. No fim de contas só restamos os três, a Cláudia e a Rosa já sumiram do nosso convívio…
Carlos ouvia, incrédulo, esta confissão. Nunca tal lhe passara pela cabeça… A Graça, que parecia tão bem resolvida ao lado do seu Ernesto… Ele baba-se por ela e parecia-lhe que esse amor era correspondido… Afinal, quem vê caras não vê corações, lá diz o ditado…
- Meu doce querido, há minutos ouvi pela nésima vez uma canção dos Crosby, Stills, Nash e Young que se chama “Love The One You’re With” e que diz “se não podes estar com quem amas ama aquele ou aquela com quem estás”… E é isso mesmo que tenho de fazer… - O choro dela era bem evidente, não falou durante quase um minuto. Por fim, sussurrou:
- Adeus, querido… Nunca te esquecerei… É melhor assim, pensa bem… Beijos. – E desligou.
Carlos olhou para o relógio. Tinha ficado desalentado, perdido a vontade de ir ao cinema. De qualquer modo, já estava bastante atrasado, nunca chegaria a horas.
O que mais o surpreendera é que sempre a respeitara, considerava-a uma boa amiga, tinha-lhe amizade, estima…
Deitou-se na cama e refletiu na sua sina… «Ora esta, hem? Quanto mais conhecia mulheres, menos as conhecia realmente, esses seres complexos, densos e indefiníveis. Mas sem elas os homens não eram, não são ninguém».
O tempo passou e acabou por adormecer com este pensamento bem presente.

 
Excerto do livro “Memórias De Um Sedutor




 
Ferreira Estêvão
Enviado por Ferreira Estêvão em 13/09/2015
Reeditado em 13/09/2015
Código do texto: T5380742
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