Férias Interrompidas

Férias Interrompidas

Era janeiro de 1989, um mês cheio de expectativas, devido ao período de férias do trabalho, que seriam vividas, com muita apreciação. Pois estava fazendo meu primeiro aniversário de casamento. E ansiava por me desvencilhar daquela rotina, daquele corre-corre de todos os dias, acordar cedo, deixar a casa mais ou menos em ordem, arrumar-se para ir trabalhar; no trabalho muitas atividades estressantes, que o cargo requeria; o departamento em que estava lotada era de extrema responsabilidade e confiança. Tudo programado. Faria meu check up de rotina inicialmente, e depois sim, sairia para uma praia do litoral mais próximo.

E assim procedi. Requeri as férias. Fui à médica que já me atendia desde o pré-nupcial e esta procedeu aos exames de praxe. Ao examinar-me notou um pequeno sinal, acima da mama direita, que era mais ou menos o tamanho de um grão de feijão. E falou: “Olha querida, aconselho-a a tirar isto, porque essa área é muito delicada e devemos evitar problemas futuros”. Aconselho-a procurar um dermatologista e retire. E eu em minha ignorância e ingenuidade, logo comecei a rebater que não era necessário, era congênito e jamais havia sentido nada que pudesse impressionar-me e ver a necessidade de retirá-lo. Até achava charmoso, em destaque com minha pele. Mas ela me persuadiu com sua argumentação segura de médica já experiente. E assegurou: “Está bem, vou fazer, apesar de não ser de minha área, mas como é simples...”. E assim marcamos a data da pequena cirurgia. Conforme a orientação médica seria anestesia local e logo em seguida já sairia para casa. Também aconselhou que após a retirada da pequena peça fosse encaminhado para biópsia. E assim chegou aquele dia tão esperado, com tanto medo - porque não há nada que nos dê mais temor do que as coisas que desconhecemos – e naquele dia eu estava realmente muito apreensiva.

Fui deixada na porta do hospital pelo meu esposo, que depois voltaria para apanhar-me. Foi coisa rápida, alguns minutos já havia sido extirpado, aquele sinal que já havia me acompanhado por toda minha vida. Saí do hospital e fui para casa. Agora só restava esperar o resultado, que sairia em poucos dias. Já não tinha mais temor de nada, estava tranqüila. Passaram-se alguns dias, chegando o dia da recepção daquele resultado. Quando à tardinha meu esposo chega do trabalho e fala que a médica havia recebido o resultado e que havia tomado um grande susto, jamais imaginava tal resultado, e o havia chamado para explicar-lhe, como também dar-lhe um encaminhamento para procurar um oncologista; eu estranhei, pois quem deveria ter sido chamada seria eu e logo fui imaginando o rumo da conversa, já me foi faltando o ar, o medo me dominava. E, ele continuou repassando todo o parecer da médica... finalizou dizendo que eu teria que ir para Natal ou Fortaleza, onde encontraria um médico especialista, e que deveria consultá-lo. “Então não mais tive paciência e eu mesma pude ver aquele exame, que dizia - MATERIAL EXAMINADO – MELANOMA”. E nesse momento o chão desapareceu, e em minha mente veio uma nuvem negra, de pensamentos negativos que invadiram sem piedade, meu ser. Sendo eu muito curiosa, e que não importava qual fosse à verdade, queria enfrentá-la. Fui imediatamente pesquisar o que realmente significava aquele resultado, e constatei que era um tipo de câncer de pele que dependendo do grau que se encontrasse, era bastante agressivo, e poderia já estar instalado em outras áreas do corpo. E naquele momento, me desfaleci. Senti a frieza da morte passar perto de mim. E comecei a imaginar que sonhava com tantas coisas, ainda pensava em ser mãe, minha vida profissional – ainda tinha tantos projetos a realizar. E agora me deparava com a possibilidade de não viver para realizar tudo isso. Estava tudo perdido. Não adiantava mais sonhar. Então chorei muito, até esvaziar todas as lágrimas possíveis e impossíveis naquele momento. Mas, foi o primeiro impacto. Me refazendo da estupidez da natureza, em me pregar aquela peça, comecei a articular os pensamentos e ver como faria. Tomei a decisão, iria para Natal; lá moravam alguns parentes, inclusive minha sogra e alguns primos, com certeza me dariam algum apoio. No dia seguinte fiz o contato com o médico, marquei a consulta. Viajei, por esta estrada de Mossoró à Natal de carro, olhando cada paisagem que eu gostava tanto de admirar, e pensava: será que ainda por aqui voltarei? Dois dias depois já estava em Natal em frente àquele médico, profissional de elevado conceito e de ótimo atendimento. Examinou o resultado da biópsia, e sem muitos comentários falou que tinha que fazer outra cirurgia, agora mais profunda para poder analisar as áreas. E logo marcou a cirurgia para o dia seguinte. Passou os custos. Eram assustadores, eu não tinha convênio com nenhum plano de saúde, e só tinha um jeito, arrumar o dinheiro para pagar o médico. Mesmo assim confirmei. Haveria de dar certo. Quando sai daquela clínica, chorava copiosamente, não sei se era o medo do resultado da nova cirurgia ou se era a falta de dinheiro, que ainda não sabia a quem recorrer. Dirigi-me para a casa de minha sogra, e repassei tudo o que havia conversado com o oncologista, e da dificuldade em disponibilizar tal valor de imediato, e ela de pronto falou que tinha a importância que eu precisava e que não devia me preocupar.

No dia seguinte, 11 horas eu estava no Hospital São Lucas. Anestesia Geral. Cirurgia efetuada. Nova biópsia. Quinze dias angustiantes antecederam o resultado, que felizmente foi negativo. As novas áreas retiradas estavam livres. Enfim, agora eu voltava a viver em paz, pelo menos, no dia em que visitava o médico, de três em três meses, durante dois anos; Vieram os filhos, amamentação normal. Reconstituição total e natural da mama. Admirável!! - exclamava aquele médico ao ver como tudo havia ficado tão perfeito. Acompanhamento durante cinco anos. Após esse tempo, estava livre da visita constante. Apenas correndo o risco como qualquer outra pessoa. Pelo menos anualmente o visitava até há pouco tempo.

Felizmente hoje posso dar este depoimento, graças a Deus e a minha médica que tem me acompanhado até o presente, e tornou-se especial em minha vida, por ter tido essa atenção especial numa área que nem era a dela (ela era ginecologista), e fez a cirurgia por minha insistência; a sogra que colaborou financeiramente, minha família, meus amigos que me deram força para superar tamanho obstáculo.

Nessa experiência soube o quanto é doloroso alguém se deparar com a possibilidade de ser portador de um Câncer, imagine quando de fato o é. Por mais fé e persistência que se tenha, há momentos que a gente vê a vida sendo arrancada de suas entranhas, sem sua aceitação. Então tudo que já consegui de lá para cá são ganhos, muitos ganhos. As férias tiveram que esperar. Ainda vou gozá-las, amando as pessoas e a vida, profundamente.

Cellyme
Enviado por Cellyme em 26/06/2007
Código do texto: T541762
Classificação de conteúdo: seguro