Mediocridade

_ Foda-se! Nunca gostei mesmo desse gato de nome escroto.

_ Não, você não dis--

_ E então, bati a porta e fui embora.

_ Você acha que acabou?

_ Receio que sim.

_ Para sempre?

_ Bom, eu levei nossa máquina de escrever. Isso significava muito.

_ Mas você ainda gosta dela?

_ Claro. Amo.

Era engraçado ver um homem daquele tamanho chorando. Maurício nunca foi bonitão, mas tinha um charme. Barbudo, inteligente e metido a escritor. Sabia como falar com uma mulher. Eu adorava quando lia poemas para mim. Claro, eu sabia que não eram pra mim, mas gostava de imaginar que eram. Estava sentado na beira da cama, com uma garrafa de vinho na mão, somente de cueca. Sua barriguinha saliente ficava ainda mais à mostra naquela posição. Ele soluçava sempre que falava o nome dela.

_ Ainda não entendi o motivo da briga de vocês.

_ Ela não me ama mais.

_ Como não te ama, Maurício? Olha tudo que ela aguentou por você.

_ Porra, mas ela já devia ter se acostumado com esse meu jeito.

_ Ninguém gosta de grosseria.

_ Mas não é sempre assim. Eu sou doce com ela, carinhoso. Só desconto meus estresses de forma equivocada.

_ Mas você nunca--

_ Não, jamais tocaria nela. Eu a amo, pô. Todo casal briga, não é mesmo?

_ É. Mas certas coisas magoam.

_ Não sei o que fazer. Estou perdido.

_ É normal, mas você não pode se desesperar.

_ Como não, eu fui embora. Ela não vai me aceitar de volta.

_ Que tal chamá-la pra conversar?

_ Ah, você não a conhece direito. Ela é orgulhosa demais pra conversar.

_ Você não sabe, talvez ela só esteja magoada com tudo o que você falou.

_ E O QUE MERDAS EU FALEI DE MAIS?

_ Você mandou ela se foder, Maurício.

_ Só depois dela mandar eu enfiar a máquina de escrever no meu cu.

_ Um erro não justifica o outro.

_ Claro que não, mas porra. Eu só quero ela de volta. Só quero ajeitar tudo. Posso me desesperar um pouco? Tenho esse direito? Ou só o mundo pode errar e eu não.

_ Mas Maurício.

_ Olha, desculpe importunar seu tempo. Acho que vou embora.

Levantou-se, ainda cambaleando, e pegou a carteira.

_ Você não tem condições de sair daqui assim, fique. Amanhã você vai.

_ Não, eu preciso ficar só. Quando lhe devo?

_ Nada, a gente nem fodeu, lembra?

_ Mas eu tomei sua noite.

_ Ei, pare com isso. Se eu não gostasse de você não ficaria ouvindo você falar a noite toda. Até as pessoas mais escrotas desse mundo precisam de amigos.

_ Ei, você acabou de me chamar de escroto.

_ E é. As vezes. Mas no fundo, no fundo, você só esta perdido. Vem cá.

Tomei-o nos braços e alisei sua cabeça. Ele se derretia em lágrimas. Pobre homem, egoísta, imaturo mas cheio de amor. Fazia tempo que não via tanta verdade nos olhos de alguém. Ele realmente amava aquela mulher.

_ Eu não queria ser assim.

_ Assim como?

_ Sei lá, não linear. Eu queria poder controlar tudo que sinto.

_ Mas esse é você, o que pode querer mais?

_ Ela.

Sussurrou baixinho antes de cair no sono.