Maldito Halloween do Gringos

Acordei no susto quando o ônibus passou por cima de mais um buraco. Natal tá foda, é buraco que não se acaba mais. Mal despertei e já bateu a dor de cabeça por trás dos olhos, maldita Skol, da última vez prometi não beber mais aquela porcaria, mas e o jeito? Era a única em promoção no Extra. Nove e quarenta e dois da noite, o 56 descia a ladeira em direção a Via Costeira. A vista era bonita pra cacete, mas não tava com saco pra ficar olhando.

_ O senhor babou, sabia?

O moleque devia ter uns sete anos, só pode, criança nessa idade sempre é mal educada. Olhei pra ele com uma cara de ressaca, a barba por fazer e um bafo que que só Deus.

_ Uau, descobriu o Brasil.

_ O botão da sua camisa tá na casa errada.

E não é que aquela merdinha tava certo. Ajeitei, sem esboçar sentimentos amigáveis ou agradecer.

_ Nossa! Como você é gordo. E velho. – Pensei: caralho, velho? E olha que só tenho 28 – Quando crescer não quero ser feio assim, como o senhor.

_ Ah, vai te lascar, garoto. Me deixa em paz e vê se não fode.

Na mesma hora uma gorda, provavelmente a mãe do moleque, se virou e gritou com uma voz que era uma mistura de pato com hiena.

_ Seu marginal de uma figa, respeite o Juninho em nome de Jeová.

_ Quem diabos é Jeová, mulher?

Sério. Quem é a porra do Jeová? Ela ficou puta, mas eu não sabia mesmo quem era o cara, pô. Ficou resmungando mais algumas coisas que nem liguei, coloquei meus fones e fingi que escutava qualquer coisa coisa. O ônibus tava parado no sinal da feirinha de Ponta Negra, quando pedi parada.

_ Bora, motô, abre aí. Na presença.

Ele abriu e eu desci rapidamente. Até agora não sei por que diabos combinei com os caras de vir para essa porcaria de festa. Quer dizer, se é que posso chamar isso de festa. É apenas um bando de retardados, vestidos que nem retardados, numa praça sem graça. Não tem banda. Não tem show. Não tem porra nenhuma. “Ah! Mas é o Halloween do Gringos”. Puff, grandes merda. Preferia ter ficado em casa. Ou, quem sabe, ter pago quinze conto no do Whiskritório. Apesar de que ali só dá playboy. Melhor ter ficado em casa mesmo. Tava precisando adiantar a nova temporada de Gotham. A rua que dava na praça estava lotada, não passava carro nem moto. Só gente. E era muita gente. Fui caminhando na esperança de encontrar em alguém conhecido, quando esbarrei num Harry Potter com uma garrafa de 51 na mão.

_ Esse homi tem isqueiro? – Falou com a voz cambaleando.

_ Não fumo mais.

_ Tá de onda, né? – Quase não dava pra entender o que ele tentava esbravejar – Mó cara de maconheiro e não tem a porra de um isqueiro?

Minha paciência tava no limite. Estava num canto onde não queria. Rodeado de gente esquisita. Numa festa que não estava afim de ir. E sabe-se lá que horas eu voltaria pra casa. Sabe como é, depender de carona é osso.

_ Mermão, não vou perder minha paciência com você.

_ Ridiculus – disse-me, apontando a garrafa.

_ Ah, boy, vai te fuder.

Empurrei com o braço e continuei andando. Saquei meu celular pra tentar dar um toque pro Carlos, ele sempre tinha crédito. Chamou. Chamou. Nada. Fazia tempo que eu não via tanta gente reunida nessa cidade. A praça não é muito grande, mas com aquele monte de gente parece ser bem maior que, de fato, é. No centro, alguns foodtrucks que cobram o olho da cara por um hambúrguer. Esse tal processo gourmetizador só vem pra infernizar nossa vida. Onde já se viu, pagar quinze conto num sanduíche que você pode comer por três e cinquenta?! Ao redor da praça ficam os carros com a mala levantada e o som nas alturas. E sempre tocava os tipos de músicas que mais odeio odeio nessa vida, de Cavaleiros à Banda Grafith. Fui circulando e tentando prestando atenção se conhecia alguém. Com uma cidade desse tamanho, em qualquer lugar que você vai é certeza encontrar algum conhecido. Lanternas Verdes. Sininho. Smurfs. Enfermeira Gostosa. Bruxa. Bruxa. Sininho de novo. Giovana do Forninho. Lampião. Fred Mercury Prateado. Tinha umas que até hoje não sei de que é. Já tava ficando puto quando senti pisar em algo.

_ Ôh! Presta atenção por onde anda, cara. – gritou a menina.

_ Cê tá ficando doida - Já tava pronto pra xingar quando reconheci aquela voz. – Pera, eu não te conheço de algum canto?

Ela estava mascarada, não sei bem o que era aquilo, talvez um coelhinho do terror, mas aquela boquinha eu poderia reconhecer em qualquer parte do mundo.

_ Paulinha? – continuei.

_ Como você sabe meu nome?

_ Sou eu, pô, o Túlio.

_ Túlio?

_ É, homi. Tá me reconhecendo não?

_ Desculpa, cara, mas você deve tá me confundindo com outra Paulinha.

_ Tenho certeza que é você. Você num faz odonto lá na UnP?

_ É.

_ Você foi na despedida da Lu, lembra? Quando ela tava indo pra o Canadá.

_ Você era amigo da Lu?

_ Não. Na verdade, era do Caio, namorado dela. A gente se conheceu lá.

_ Hum – droga, ela não lembrava – massa.

_ A gente até fi--

_ Olha, sem querer ser chata mas já sendo, meu namorado taí e tals.

_ Ah, tá bom.

_ Mas foi um prazer rever.

Como ela não lembrava de mim? A gente se pegou no banheiro, depois no quarto dos pais da Lu e ainda no meu carro quando fui deixá-la em casa. Tava tão chapado que esqueci de pedir o número dela. Findei deixando pra lá. Pois é, eu tinha carro naquela época. Depois que saí do escritório nunca mais encontrei um emprego que preste. Tive que mudar pra um apartamento menor, na verdade, pra um kitnet na Ayrton Senna e tive que vender o carro também. Minha mãe queria que eu voltasse pra casa, mas isso não rola pra mim. Acostumei com a tal liberdade. E só ia dar briga mesmo. Melhor deixá-la onde está e eu no meu cantinho. Finais de semana está de bom tamanho para programas em família.

Era meia noite e nada de encontrar alguém que pudesse beber junto. Só esbarrei num Harry Porre e numa menina que não lembrava de mim. Será que o Carlos me atende dessa vez? Droga, desligado. Ou ele tá acabado em algum chão de banheiro ou tá fodendo com o novo rolé, um tal de Henrique. Será que o Allan me atende? Desligado. E o Caio. Chama. Chama. Caiu. Já tinha perdido as contas de quantas cervejas tinha tomado, quando bateu aquela fome. Merda, é contra meus princípios pagar tão caro por uma comida. E ainda mais com uma fila enorme dessas. Se o cachorro do Arlindo não fosse tão longe daqui ia bater lá. Quinze minutos depois.

_ Amigão, me vê dois cachorros e uma coca.

_ Dezesseis reais.

_ Caralho, esse troço é feito de ouro?

_ Nossa salsicha especial é feita de--

_ Foda-se do que é feita. Eu tô com fome, me vê só um cachorro e uma coca.

_ Mais alguma coisa, senhor?

_ Se você tiver uma maleta com um milhão de dólares estou aceitando.

Ele não sorriu. Pense numa falta de senso de humor. Apenas virou e continuou a fazer os sanduíches. Apesar que devia ser um inferno estar dentro daquele caminhão. Já imaginou o calor? Sem falar da galera em cima deles, um bando de bêbado gritando. Como se não bastasse a demora pra pedir, demorou mais uns quinze minutos pra receber meu pedido. Eles deviam ter ido matar um porco pra fazer a salsicha, só pode pra demorar tanto. O “cachorro” era menor do que imaginei e os ingredientes que, segundo o menino, eram especiais não contribuíam em nada para o sabor. Era um cachorro normal. A única diferença era que o nome gourmet aumentava seu preço para seis conto. Peguei meu celular e vi que tinha duas chamadas não atendidas do Carlos. Retornei e quando ele atendeu, desliguei. Ele ligou de volta.

_ Fala, viado. Esse homi tá onde?

_ Cara, acabei não indo.

_ Sério, galado?! Só vim pra essa merda por causa de vocês. Sabe se o Caio ou o Allan tão por aqui?

_ Tô por fora, man.

_ Eles desligaram o celular.

_ Devem tá comendo alguém.

_ Só pode. Mas é um vacilo da porra deixar os brother sozinho. Enfim, valeu. Vou ver se pego um taxi pra casa. Não deve passar de trinta reais daqui pra lá. Tenho grana no ármario, vai servir pra pagar .

_ Valeu.

_ Falou.

Filho da mãe, tava com uma voz de sono da porra. Devia ter dormido e esqueceu de avisar. Vacilo. Já tinha terminado o cachorro e comprado mais uma cerva quando decidi ir para a Roberto Freire pegar um taxi. Eu descia a ruazinha do lado esquerdo quando ouvi os gritos.

_ Me solta, porra.

_ Não vou soltar coisa nenhuma, você vai ter que me ouvir.

_ Ouvir o quê? Que sua boca pulou sem querer na boca daquela vaca?

_ Olha como você fala comigo.

_ Solta meu braço, Ícaro, tá machucando.

Coincidência do destino ou não, eu conhecia aquela voz. Era a Paulinha. Um cara de quase dois metro de largura, daqueles de academia, com um moicano escroto, a segurava pelo braço. Ele mexia de um lado para o outro e não soltava a garota. Outros babacas também vestidos de regata estavam ao redor e não faziam nada. Foda. Pior que em briga de casal ninguém mete o garfo. Ou seja lá como for esse ditado. Eu continuei andando, apesar de conhece-la era melhor deixar quieto. Mas ele deu maior tapa na cara dela, depois de receber uma unhada na cara.

_ Vou te ensinar a respeitar.

_ Ô amigão! – interrompi – acho melhor cê dar um tempo.

_ Como é? – respondeu, virando-se pra mim – boy, não se mete onde não é chamado, beleza?

_ Pô, não posso deixar você bater na mina assim.

_ Já ouviu o ditado que em briga de marido e mulher ninguém mete a colher?

Marido. Mulher. Colher. Putz, então assim que era o ditado certo.

_ Já sim, meu brother, mas nem casados você são. E mesmo se fossem, deixa ela em paz ou vou ter que chamar a polícia.

Ele começou a vir em minha direção. Puta merda, maldita hora que fui me meter numa briga. A única coisa que tinha na mão era a garrafa de Heineken que tinha comprado depois do cachorro. Lá se foram meus últimos oito conto. Foi instinto, à lá filme de policial, bati com a garrafa numa mureta e...merda, rasquei minha mão. Corri pra cima dele assim mesmo. Lembro de sentir um empurrão; empurrão não, uma voadora; nas costas antes de alcançar o fela. Caí só a bosta no chão. Ele mais os três amigos me chutaram pracete. A última coisa que ouvi antes de apagar foi um monte de gente gritar.

Acordei no outro dia no Walfredo. Questionei ao doutor o porque de me levaram para um droga de hospital público, ele disse que eu tava sem documento e não tinham como me levar pra outro canto. Os cara me bateram e ainda me roubaram. Sorte minha que uma prima do Carlos, trabalhava de técnica lá e avisou pra minha mãe.

_ Onde você foi se meter, meu filho.

_ Ah, mãe, eu não ia deixar o cara bater na menina.

_ Mas você não podia com quatro, devia ter ligado pra polícia.

_ Mãe, eu tava bêbado. Não tive tempo de pensar nisso.

_ O médico disse que você quebrou duas costelas e luxou o punho. Sem falar do corte na mão que levou cinco pontos.

_ Ah, esse corte foi culpa minha mesmo. Achei que a vida ia funcionar que nem os filmes.

_ Seu pai disse que assim que você saísse daqui iria com você fazer o B.O.

_ Nada de polícia, tá bom?

_ Mas meu fi--

_ Essa história já me encheu muito o saco. Só quero ficar na minha agora.

_ Tudo bem, se resolva com ele. Tenho certeza que não ficará nada feliz com isso.

_ Eu me resolvo, não se preocupe.

_ Ah! Uma menina veio te visitar hoje de manhã.

_ Quem era?

_ Não a vi, os meninos que disseram. Uma moreninha que, segundo eles, era bem bonita. Namorando e nem me avisa?

_ Eu não tenho namorada, mãe, já disse milhões de vezes.

_ O Caio disse que ela parecia preocupada com você.

_ Mais alguma coisa?

_ Não, apenas um bilhete. – ela tirou um bilhete amassado do bolso e me entregou – eu preciso ir, meu filho, já estou atrasada para o trabalho. A noite venho ver como você está.

_ Espero já ter saído.

_ Qualquer coisa me avisa, tá? – falou atravessando a porta.

_ Aviso sim.

Abri o bilhete rapidamente. Será que era dela? E ao ler dei a maior gargalhada. “Achou que fosse o número da gatinha, né, galado? Se fudeu”. Pois é, os caras tinham me zoado novamente. Fui com o gás tão grande, achando que era da Paulinha, e não passava de uma trollagem.

Saí de do hospital no fim da tarde. Sem sorte no jogo. No amor. E na porra da minha vida. Com duas costelas quebradas. Um gesso na mão. Uma cicatriz enorme e uma ressaca do cacete. A Paulinha? Nunca mais a vi na vida.

Gonzaga Neto
Enviado por Gonzaga Neto em 29/10/2015
Reeditado em 03/08/2016
Código do texto: T5431423
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