Solitária

Ela estava fazendo o jantar enquanto ouvia música. O arroz estava quase pronto e ela começou a fritar o bife. Estava mais envolvida na música do que na comida de fato. Olhou para o relógio. 19h02. Ele já estava atrasado. Não que isso a surpreendesse; ele estava chegando cada vez mais tarde em casa.

A comida tinha ficado pronta e nada dele. Decidiu, então, comer sozinha mesma, estava com muita fome para ficar esperando-o.

Sentou-se a mesa e viu que o vaso ainda tinha uma rosa. Um única rosa vermelha. A única que restara do buquê que ele tinha dado para ela em comemoração do aniversário de dois anos de namoro.

Aquela rosa estava tão solitária quanto ela estava. Ela riu com a ironia e o riso histérico deu lugar ao choro, tão histérico quanto.

Levantou-se com a rosa na mão e foi até o banheiro para jogá-la na privada. Aquela linda rosa foi embora com a descarga e estava livre, não estava mais presa em um lugar que não era seu.

Agora era a vez de ela fazer a mesma coisa.

Cansada de ser só um joguete na vida dele, de ser maltratada, de ficar presa em um lugar que não era seu, jogou suas coisas em uma mochila pronta para ir embora.

Escreveu um bilhete, deixou a comida no micro-ondas e já estava quase na porta quando se lembrou de uma coisa importante: a aliança. Ainda estava em seu dedo.

Tirou-a e deixou em cima da mesa, junto com as contas e com o resto das correspondências.

No cominho, pensou em fazer várias loucuras. A primeira delas foi raspar seus longos cabelos, que ele tanto adorava. Seria uma espécie de emancipação dele. Pensou até mesmo em beber querosene ou qualquer outra substância tóxica que a fizesse sumir do mundo. Já estava perdendo a cabeça, tinha ficado completamente louca e nada mais fazia sentido em sua vida.

Procurou seu celular na mochila e percebeu que não o tinha pegado. Nem a sua escova de dentes. Mas achou a lâmina de barbear dele. Ótimo, só tinha pegado coisas muito úteis.

As lágrimas ainda caiam, molhando o rosto dela. E ela tinha certeza de que ele estava rindo muito ao ler seu bilhete e percebendo sua ausência.

Mas aquilo nem importava mais, ela já estava a caminho de uma cidade chamada solitária, acompanhada da desesperança. Percebendo que todos poderiam fazer os cortes, mas nunca as suturas.

Flávia Tomaz
Enviado por Flávia Tomaz em 30/12/2015
Código do texto: T5495764
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2015. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.