Um de dois

Até que eles se encontraram! Havia tanto a dizer depois de tanto tempo, mas nem tudo era conveniente. Franqueza e diplomacia se fundiram naquela tarde. Tudo porque, coincidentemente, os dois tinham horário marcado com a mesma psicóloga. Essa, por sua vez, apenas observava aqueles dois discutindo como um casal em crise. Um casal pouco convencional, diga-se de passagem... O passado vinha à tona a cada assunto constrangedor. E com ele, as mágoas, as tristezas, os sentimentos de profundo abandono e rejeição. Aquilo vinha mais de um lado do que de outro e o lado menos pesado tentava se justificar e pedir desculpas. O perdão já havia sido dado e não era da boca pra fora. Entretanto, no calor do momento, todos os fantasmas voltaram a assombrar aquela relação complexa. Tudo se deu quando palavras de antipatia saíram da boca seca do melindroso, enquanto entravam pelos ouvidos peludos do pseudo-opressor. Ainda bem que a parte queixante já não merecia o título de vitimizado; mais do que isso: ela já o havia abolido desde que, alcançando a maturidade, descobriu que tinha tido grande responsabilidade por tudo que ocorrera em sua vida. A psicóloga continuou observando; agora ela olhava para o pseudo-vilão, que insistia em seu sincero ponto de vista. Eram ali dois corações em corpos que queriam a mesma coisa. Por entendê-lo, o reclamão foi deixando, ao longo do tempo, suas mágoas derreterem. Apesar disso, aquele encontro resgatou todo sofrimento que não mais deveria haver naquele peito. Durante uma hora, os dois discutiram sobre o que não conseguiram resolver por anos. Por fim, a psicóloga, preenchendo a sala com sua sabedoria, pronunciou-se, alegando perceber que o tempo havia curado algumas feridas do tristonho e que a distância havia colaborado enormemente para isso. Ela acrescentou que, por mais que o pseudo-carrasco quisesse ressuscitar o condenado, ele não conseguiria, uma vez que ele havia morrido e se tornado outro ser. Foi então que ambos entenderam a importância da ruptura e, em ritmo de hiato, cada um foi para o seu lado. A distância foi ficando cada vez maior e a cada passo, o tempo se encarregava de mantê-la. Assim, o nunca mais os abraçou fortemente e eles foram separadamente felizes para sempre.

Tom Cafeh
Enviado por Tom Cafeh em 05/01/2016
Reeditado em 02/11/2016
Código do texto: T5501318
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