A Quadratura do Círculo-cap. VII

Por que contei o desfecho logo no início do texto? Ora, o nosso rompimento não é o mais interessante nesta narrativa, leitor tradicional. Vejamos Rufino: eu o pintei como um monstro, brutamontes; como será que ele me pintaria? Qual seria a versão correta?

-Oi, amigo, o que você trouxe aí?

-Uns sanduíches, bolachas, suco...

Dividia a merenda com ele na escola. Talvez só quisesse isso...Se dizia meu melhor amigo. Sabia que era mais pobre que eu... e lhe dava o lanche que minha mãe com sacrifício preparava.

Depois, isso mais tarde, deixou meu nome sujo na praça quando o emprestei para comprar uma geladeira, depois um fogão, um carro! Quase acabou a nossa “amizade”.

-Olha, eu atrasei um pouco, mas vou te pagar...é só receber...

É, amigo é pra essas coisas, como diria o ditado. Sempre cuidando do físico, levando as menininhas escondido no parque...umas dez! Paloma, você vai sofrer com ele; você, no fundo, é ingênua...Paloma! Acredita no amor; em todos que teve; por que me elegeu para casar, para mostrar a seus pais?

-Mãe, ele é muito “cabeça”; fala cada coisa que eu não entendo!

-“Cabeça”? !Que palavreado é esse ? Quero saber é o que ele faz da vida!

Se ela foi desonesta comigo, eu também o fui...Quero me convencer disso...Não fui só eu que fui enganado. Como saber o que se passa na mente humana? Ninguém é totalmente isento. Ah, sua casa, um pequeno palacete; tão diferente da minha humildade. E seu sítio, os cavalos, a piscina...nunca comi tão bem na vida...Tudo isso se leva em conta.

-Ela está namorando esse aí? De onde é ?

-De um bairro na Zona Leste...

-Zona Leste! Meu Deus? O que ele faz?

-Acho que engana. O pai tem uma vendinha...

-Belo futuro pra minha prima: quitandeira!

Casamos. Os pais foram generosos...Uma casinha aconchegante...O amor por ela, sim, falem o que quiserem, me afeiçoei, gostei, senão não casaria. Rufino sempre nos visitava. Estávamos um dia reunidos; ele trouxe uma menina meio vulgar que “caçara”, que ria sem parar, soltava palavrões e desaforos. Paloma se ria também. Ela resolveu brincar:

-Vamos brincar agora de “jogo da verdade”; cada um levanta e fala de si; Paloma, você primeiro:

-Ah, eu gosto de coisas bonitas, de gente bonita; quero a felicidade, a felicidade de todo mundo...Amar, viajar, conversar bastante, viver...não me aborrecer, conhecer gente nova, lugares novos...e você, Leiloca ?

-Eh,eh,eh, minha filha, eu já rodei mais que caminhão da Lusitana, mas , fiz o que quis e ninguém tem nada com isso. Esses que se escondem , que falam palavras bonitas são uns hipócritas. Tive que ganhar a vida...Em casa éramos dez; mal tínhamos o que comer; não me arrependo de nada...quem é isento pra me julgar? Só me arrependo do que não fiz e não vivi...Quem quiser que atire a primeira pedra...E você, Rufino?

-Bom, eu sou persistente, luto pelo que quero...não sou de pensar muito; acordo cedo...se precisar varo a noite...gosto de gente legal e que seja útil para mim...-seus olhos cruzaram com os de Paloma...procuro ser justo...mas nem sempre dá...dinheiro não é tudo na vida? Mas tudo na vida é dinheiro. Se eu não derrubar serei derrubado...meus braços são fortes...se ficar no caminho, passo por cima, não por maldade, pois sou capaz de estender a mão em seguida...choro com a música do “Ghost”, vibro quando meu time joga...se precisar de voluntário pra ir a Marte...eu vou... E você, Bartolomeu?

-Eu..ah, não quero falar de mim...

-Vai, fala, não seja acanhado...

-Não é isso...eu nem sei quem sou...

-Há,há,há, que figura!

-Bartô, deixa de ser desmancha-prazer e chato; fala alguma coisa (era Paloma a me chamar a atenção).