VALENTE

Ele olhava para a mesa cheia de apetitosas comidas. Tinha carne suina, churrasco, peru, bisteca e costelas deliciosas. Nas festas de fim de ano sempre foi assim: uma fartura. Naquela noite de Natal a mansão dos Feitosa abrigava um grande contingente de convidados. O anfitrião chamava todo ano os parentes distantes, primos, cunhados e até o caseiro da Fazenda do Sul. Todos conversavam alegremente sem parar de comer as iguarias da enorme mesa. Os olhos dele brilhavam diante daquele verdadeiro banquete. Quando ele chegou àquela mansão tudo era alto e grande. O chão escorregava muito, principalmente próximo a escada. No primeiro dia ele olhava para a escadaria e achava muito difícil de escala-la até os quartos superiores. Mas de tanto pular conseguiu subir degrau por degrau e finalmente chegar ao topo. O sofá representava a cama ideal para o seu repouso diário. Ali ele dormia tranquilamente até ser despertado por algum barulho. Á noite sentia muito frio e saudades do pais, mesmo sendo órfão. As primeiras experiências comestíveis não foram tão boas. O estômago frágil não suportava carnes gordurosas, mas ele comia assim mesmo. Outro dia uma carne suina provocou um grande incômodo em seus intestinos. Este fato o obrigou a uma visita ao especialista em estômago que lhe proporcionou uma dieta rigorosa. Os momentos mais felizes do dia para ele eram no início da manhã e no fim da tarde. A dona da casa o convidava a passeios maravilhosos no elegante bairro de Acrópolis. As ruas limpas e arborizadas daquele bairro pareciam imagens de um paraíso. Ele relembrava os passeios no campo em um feriadão qualquer. As atenções dos donos da casa estiveram direcionadas a ele por algum tempo. Mas após 10 anos surgiu um novo morador na mansão que se chamava bebê. A linguagem estranha chamava a atenção de todos. Todavia este novo morador cresceu e passou a ser um companheiro ideal para ele. Os dois faziam grandes passeios porém muito cansativos. A idade adulta chegava aos poucos, enquanto que o outro morador estava no auge da forma física. Durante o jantar alguns convidados se exaltavam, gritavam e engoliam um líquido que se chamava uísque. Ele tomou algumas gotas que cairam da mesa. Mas tinha um gosto muito amargo. Aquilo não tinha o mesmo gosto do líquido branco chamado leite, que ele tomava toda manhã. As horas avançavam e os sons altos incomodavam os seus ouvidos sensíveis. Ele não entendia aqueles gritos inaudíveis dos convidados da festa. Certa vez, o casal foi a um fim de semana prolongado na praia. Porém ele não foi convidado. As suas condições físicas não estavam boas. Na verdade Valente envelhecera bastante nos últimos anos e até perdeu os dentes no verão passado. A visão estava ficando embaçada e a lomomoção estava difícil. Mas as cores variadas da toalha da mesa lhe davam algumas esperanças. De repente cairia uma chuva de pedaços macios de carne bem passadas, ou ossos bem carnudos. Mesmo que fosse apenas para lamber e degustar aquela comida tão gostosa.

Levi Oliveira
Enviado por Levi Oliveira em 23/01/2016
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