Imagem Google
 
 
 

CHUVA

 
 
A chuva caía, incessante, formando lagos na rua de piso irregular. Poças de água constituíam-se armadilhas lançadas pelos carros que passavam sem cuidado e encharcavam os transeuntes. Essa água sagrada lavava os vidros, fachadas, prédios, figuras escuras da cidade ao anoitecer.
Armando caminhava indiferente ao ensopar da roupa, o vento frio ajudava as gotas de água a contornar o chapéu e a humidade entranhava-se nos ossos. Tremendo de frio, contornou a última esquina e subiu rápido na escada daquele velho prédio onde morava desde os seus quinze anos, já tinham passado mais vinte. Ofegante, chegou ao patamar do quarto andar onde morava e meteu a chave à porta. Tudo às escuras. Acendeu a luz e viu o pai, a mãe, a esposa e os dois filhos, sentados, expectantes, olhando-o com um sorriso nos lábios.
- Feliz aniversário! – Gritaram quase em uníssono os seus parentes e levantando-se foram abraçá-lo.
Armando viu sobre a modesta mesa uma garrafa de espumante barato, um bolo de aniversário e vários copos de plástico.
A esposa falou em primeiro lugar:
- Celebremos este teu aniversário, querido. E aproveito para te fazer um pedido… Como vais receber um bom aumento, decerto será desta vez que irás comprar um fogão novo, este já deu o que tinha a dar…
O pai aproveitou a deixa: - Eu só quero que compres um colchão novo, com este os ossos já se espetam uns nos outros e nem eu nem a tua mãe conseguimos dormir.
Os filhos intervieram também com pedidos.
- Paizinho, não nos vais negar um telemóvel para cada um, de preferência smartphone.
Armando olhou demoradamente para todos e depois suspirou tristemente.
- Meus queridos, agradeço os vossos parabéns mas tenho uma confissão a fazer… O tal aumento foi adiado para o ano que vem pois a empresa este ano teve uma grande baixa nos resultados do exercício… Lamento muito…
Os familiares olharam-se, depois olharam para ele com desapontamento e virando as costas sentaram-se no sofá e nas cadeiras.
Armando foi até à janela e maldisse a chuva, essa chuva que o tinha encharcado. Tinha que se despir rapidamente e mudar de roupa antes que ficasse com gripe. «E se adoecesse?» pensou. Ele era o principal sustento daquela família. Cabisbaixo, atravessou a sala e os seus passos soaram no corredor, lúgubre e mal iluminado, até entrar no seu quarto.

 





 
Ferreira Estêvão
Enviado por Ferreira Estêvão em 25/01/2016
Reeditado em 26/12/2018
Código do texto: T5522838
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2016. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.