Recomeçar

Os relógios são as testemunhas mudas dos tempos, tem um quê de mistério e de apelo histórico que sempre encantou Caroline. Nascida e criada nos fundo da relojoaria de seu pai, que havia sido de seu avô e assim sucessivamente, não foi difícil para ela escolher uma profissão.

A Relojoaria Novos Tempos se situava no centro de uma pequena cidade costeira, cuja maior renda era a pesca e o turismo marítimo. Antigamente a loja dava muito lucro, mas atualmente estava em um período de declínio.

Caroline havia aprendido o ofício de relojoeira ainda muito cedo, quase uma criança e era encantada pelo mundo dos relógios. Sabia consertar todos os tipos de relógio, de bolso, de parede, de pulso, relógios antigos, novos, sabia até fabricar os relógios, todas as pequenas engrenagens se encaixando para formar um mecanismo perfeito.

Com apenas dezessete anos teve que assumir a relojoaria, pois seu pai havia perdido parcialmente a visão pelos vários anos dedicados a observação minuciosa no conserto e fabricação de peças tão pequenas e delicadas. Hoje, com vinte e cinco anos, já era uma expert.

Seus pais haviam morrido algum tempo atrás, com poucos meses de diferença entre um e outro deixando Caroline completamente só. Ela e os relógios. Gostava de imaginar histórias sobre os relógios, quem os fizera, a vida particular de seus donos, tudo que o relógio já tinha observado, ouvido e presenciado.

Ultimamente ela andava meio deprimida, triste, sozinha demais, seus clientes estavam cada vez mais escassos, não havia feito amigos por conta do muito empenho no trabalho no passado e agora não sabia o que fazer, não conseguiria sobreviver com seu negócio perdendo as forças, quase não tinha mais lucro e não sabia fazer outra coisa.

Em um desses dias de desespero um cliente novo, que Caroline nunca tinha visto, entrou na loja. Se apresentou como Túlio e deixou um relógio de bolso, muito antigo, para o conserto.

Caroline ficou admirada com a beleza do relógio, e começou a inventar histórias sobre ele, imaginou que seu dono, Túlio, era marinheiro em um grande navio, que era de família rica mas havia se aventurado sozinho pelo mundo para provar que podia viver com os próprios meios. Imaginou também que o relógio já tinha presenciado vários momentos de calamidade, como tempestades em alto mar, invasão de piratas no navio, como também tempos de bonança, como lugares exóticos, amores ocasionais, longas noites solitárias observando as estrelas.

Caroline desejou poder ser como aquele relógio, conhecer o mundo, presenciar a história e não ficar o dia todo presa quase sem trabalho, vendo seus amados relógios sendo substituídos por tecnologias mais recentes.

Quando Túlio foi pegar seu relógio de volta, ela nota que ele é muito bonito, queimado de sol, forte, poderia muito bem ser um marinheiro mesmo. Ele olha para ela com olhos interessados e ela pela primeira vez na vida se deixa levar por expectativas de uma vida diferente. A possibilidade de mudar de vida, deixar tudo para trás e recomeçar, ser como seus relógios, participante da vida, fez florescer nela novos desejos.

Depois de vender todos os relógios, a maioria de seus pertences, a casa, tudo o que tinha; Caroline embarca em uma jornada rumo ao desconhecido levando só uma mala com roupas e um relógio especial, o primeiro que havia confeccionado sozinha, ele seria testemunha de sua nova vida. Iria se aventurar. Começar o restante de sua vida.

Priscila Pereira
Enviado por Priscila Pereira em 25/03/2016
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