imagem de internet
Madorna da tarde

 
Entrou para o quarto porque sentia dores nas pernas. Manteve as luzes apagadas e em passos curtos andou até a cama e recostou-se. O leito parecia mais alto que de costume. Fez um movimento para frente com um pé em seguida com o outro e alinhou os chinelos de maneira que pudesse encontra-los facilmente quando fosse novamente calçá-los. Sentou meio atravessada na cama e ajeitou-se  para uma posição mais confortável.
A escuridão que lhe rodeava contrastava com o dia que fazia lá fora.
Era necessário encontrar-se consigo mesma. Na casa tinha silencio, mas sua cabeça, um turbilhão.
Resolveu fechar os olhos e aquietar-se.
As horas da tarde passavam lentamente e surgia, sem que ela entendesse, certa inquietação. Passar a parte vespertina do dia em frente a teve não era bom para ela, acabava sempre dormindo no sofá e acordava com dores nas costas, mas naquele dia eram as pernas que doíam.
Pensava sempre que precisava distrair-se, despertar para alguma atividade física ou visitar uma amiga que há tempos não via.
Lola precisava animar-se. Aposentada há tão pouco tempo ainda não conseguira fazer as pazes com o bom ócio, antes a jornada de trabalho lá fora e os afazeres da casa, mas agora lhe sobrava tempo. E ali no quarto, em silêncio, em posição tão confortável já não sentia as dores nas pernas, nem as pernas.
Os braços relaxados e as mãos sobre o acolchoado macio, ela sentia distanciar-se lentamente. Ia esquecendo-se de tudo que a envolvera durante tantos anos. Foram anos fincados, enraizados em solo firme. Os filhos cresceram e são bons filhos. Ela agora pode recostar à tarde, mesmo que não tenha dores nas pernas.
Pela manhã Lola abre as janelas e as cortinas. A claridade entra e faz-lhe companhia. Sempre aparece um filho e eles conversam animadamente. Mas à tarde surge-lhe a calmaria e Lola resolveu recolher-se no quarto já que as pernas lhe doíam.
Escuridão e silêncio. Uma sonolência tomou-lhe completamente e Lola não demorou em entregar-se por inteira. A soneira da tarde dominou-a.
Alguém abriu a porta e pediu que ela entrasse. Lola assim o fez. Pediu que sentasse. Ela assim o fez também.  Lola não via quem lhe pedia, só obedecia a voz, cegamente. Pensou que não via porque estava de olhos fechados, resolveu que ia abri-los, mas antes de concluir o ato alguém lhe tocou o ombro e disse que continuasse de olhos fechados, pois, lhe conduziria.
Sem dar tempo para resposta negativa a voz lhe pediu que desse mais um passo e depois mais um. Lola sentia a mão firme em seu ombro, parecia que caminhava há tempos e não apenas alguns segundos.
Percebendo que Lola estava nervosa, a voz pediu-lhe calma e arrematou dizendo já terem chegado ao destino.
Sem perda de tempo Lola vislumbrou a fonte de águas cristalinas, ornamentada de flores de toda cor. Nesse instante a cabeça de Lola rodava, extasiada com tanta beleza.
E como ela via tudo aquilo se estava de olhos fechados?
Porém, não demorou e aos poucos tudo foi parando de rodar, cada objeto foi encaminhando-se par seu lugar.
Lola tateou no ar procurando pela mão que lhe conduzira e não encontrou, chamou pela voz e não obteve resposta.
Fez um esforço para abrir os olhos. Finalmente conseguiu.
Deparou com a mobília conhecida do seu quarto. Procurou a fonte, as flores e nada estava ali. Certificou-se que estava em seu leito.
Alegrou-se.

Encaminhou-se à cozinha para fazer um chá.