Antes das dez

O sol beijou minha testa e rapidamente escapou para fora do quarto, despertando-me a força. "Brisa só pode ter deixado as janelas abertas de propósito", sussurrei internamente, "aquela galada". Em Natal, o céu dá as caras às cinco da manhã e o calor sarra em você antes das sete. O ar naquele dia estava mais quente que o normal, quase me rasgou a garganta, tive dificuldade até para respirar. Lembrei logo da viagem que fiz pra Brasília. Boa lembrança! De ressaca, sentei na cama parecendo um zumbi, percebi que o suor desenhou meu corpo por todo o colchão. O cheiro era forte. Gala e suor, combinação perfeita. Fui até o banheiro e mijei por trinta segundos. Que alívio. Abri a geladeira, tomei água na boca da garrafa e procurei um copo de requeijão para botar o meu café com leite. Passei manteiga no pão francês, sentei na mesa e fui checar minhas mensagens no whatsapp. Logo após o segundo gole e o terceiro áudio, percebi um bilhete perto do pote do açúcar, com a letra dela.

“Espero chegar em casa na hora do almoço e não encontrar vestígios seus. Roupas, livros, lixos, absolutamente nada. Perdi toda paciência, todo tesão que tinha por você. Saia da minha casa. Saia da minha vida. Não precisa me pagar o que deve, apenas suma. Talvez o amor seja que nem você: um gordo, pobre, careca e fedido que sem mais nem menos evapora de nossas vidas. Estou contando com isso. Adeus.”

Sorri. Foi esse senso de humor que me fez ficar perdidamente apaixonado por ela. Cocei a cabeça, olhei para o relógio analógico no descanso de tela do smartphone. Tem uma música que fala sobre o amor ser rima breve. Foda! Fazia tempo que havíamos parado de rimar. Noite passada fiquei na punheta por causa de sua "dor de cabeça". Dei uma mordida no pão de ontem e suspirei, me esforcei para lembrar quais das minhas amantes moravam sós. Olhei novamente para a hora e levantei, fui até o quarto, fechei as janelas, liguei o ventilador e deitei mais uma vez na cama-confortável-pra-cacete que “compramos” mês passado. "Bom, se ela só chega depois do almoço ainda dá pra tirar mais um cochilo, ninguém merece tomar decisões complicadas antes das dez da manhã". Fechei os olhos e dormi.

Gonzaga Neto
Enviado por Gonzaga Neto em 05/04/2016
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