Fim

Era a terceira noite de frio. Na primeira ele ficou acordado andando pelas ruas da cidade. Teve momentos em que o frio era tanto que ele precisou correr para que o seu corpo em movimento gerasse algum calor. Seus ossos pareciam que iam sair do corpo. A pele murcha e os músculos magros pareciam amortecidos.
No dia seguinte durante a tarde, procurou uma praça qualquer da cidade e se deitou na grama, bem no sol e aproveitou para dormir um pouco. Não durou muito. Um guarda apareceu gritando: “Levanta vagabundo, seu bêbado”. Ele tentou justificar que só queria dormir em paz, mas sua voz parecia não sair da garganta afinal ninguém lhe escutava.
Tentou pedir algumas moedas na rua, mas ninguém lhe deu nada. Um homem engravatado gritou para ele: “Quer dinheiro para comprar cachaça.. Vai trabalhar”, de fato, ele queria dinheiro para comprar uma cachaça, afinal com a cachaça é mais fácil de agüentar o frio, mas certamente aquele distinto senhor não sabia disso.
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A segunda noite chegou. Ele tentou caminhar e correr, se manter em movimento, mas não teve jeito, suas pernas estavam cansadas, então se abrigou na parede de uma loja e tirou o cobertor velho de dentro de uma sacola e tentou se cobrir. Mas se a coberta lhe aquecia as penas, o piso frio lhe congelava até as entranhas. Se enrolou um pouco. Ficou ali tentando dormir. Talvez dormindo pudesse enganar seu corpo. Seu corpo era inteligente e não lhe permitiu que pegasse no sono um segundo sequer.
Quando tentou levantar, seu corpo não respondia o seu comando. Achou que fosse morrer. Olhou paras as mãos roxas. Sentiu o nariz congelado. Achou força no fundo da alma e com muito sacrifício levantou. Movimentou-se um pouco. Esfregou as mãos até as sentirelas esquentarem e encostou as orelhas que doíam uma dor que ele jamais imaginou sentir. A dor do seu sangue congelando dentro das veias.
Durante o dia, procurou pela cidade um lugar onde pudesse pedir abrigo. Foi a uma igreja, mas não encontrou ninguém lá. Foi a um desses órgãos da prefeitura que teriam que ajudar quem não tem condições, mas o máximo que conseguiu foi uma luva de lã, dessas com os dedos aparados e uma touca que não cobria as orelhas. Ainda ganhou dois pães franceses e uma lição de moral de como era jovem e que se deixasse o vicio poderia viver bem. Como se ele já não soubesse disso.
Teve vontade de praguejar e brigar com aquela gente sem vontade que poderia lhe fazer muito mais do que estava fazendo, mas recuou, pois provavelmente aquelas moças mal humoradas não fizeram mais por ele, porque estavam ajudando crianças e mulheres que precisavam mais, afinal que outro motivo elas teriam para lhe negar um cobertor?
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Então chegou a terceira noite. Como se fosse possível, naquela noite estava ainda mais frio. Ele estava mais cansado. A fome que sentirá nas outras noites, naquela era o menor de seus problemas. Caminhou o quanto pode pelas ruas da cidade. Passou na frente de um bar onde alguns jovens bem agasalhados tomavam algumas bebidas quentes. Um copo de conhaque seria o suficiente para lhe acalmar o frio, mas não iria entrar naquele lugar distinto e sofisticado para pedir um copo de bebida. Iriam lhe chamar de bêbedo imprestável. Não queria incomodar ninguém.
Caminhando encontrou um local em frente a uma porta onde pode sentar abrigado do vento frio. Alguém apareceu e pediu gentilmente que ele saísse do local, ou chamaria a polícia. Até pensou em fazer alguma bagunça no local para que a polícia aparecesse e lhe prendesse, talvez na cadeia ele não passasse tanto frio como ali fora, mas sabia que a não ser que cometesse um crime grave a única coisa que ele conseguiria seria uns tabefes e coisas na bunda e isso não era legal, ainda mais com aquele frio.
Caminhou até suas pernas não agüentarem mais. Sentou-se no costado de uma parede e com o seu cobertor velho tentou a todo custo se aquecer. Seus ossos pareciam estar se partindo. Sua respiração parecia uma faca que entrava pela sua garganta e com a ponta golpeava seu coração. Tentou levantar, mas não conseguiu. Seu pescoço doía. Seus dentes pareciam que estavam sendo arrancados. Seus pés pareciam não existir mais, estavam congelados. Sentia sua espinha, como se fosse algo com milhares de prego lhe cravando incessantemente nas costas arrancando-lhe o pouco de carne que ainda lhe restava.
Seus olhos ficaram pesados e de repente seu corpo não mais doía. Era como se o frio tivesse ido embora. Tentou sorrir de alegria, mas não conseguiu. Sentiu seus olhos fechando, contra a sua vontade. Sabia que iria dormir e dormiu. No sono um desejo: Uma cama quente para lhe esquentar os ossos, no entanto no amanhã a única coisa que ganhou foi uma manchete de jornal: “MORADOR DE RUA MORRE DE FRIO NO CENTRO.” Fim, literalmente, FIM.
Jonas Martins
Enviado por Jonas Martins em 04/05/2016
Reeditado em 22/06/2016
Código do texto: T5625268
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