Uma Noite Quase romântica

À Marina Rabelo

Andava pelas grandes cidades de uma nova cultura (cultura sem corpo), porém cidades velhas: capitais deste país de pessoas à procura de algo inédito. Era o final de um milênio. Como tantos porras-loucas, estava mergulhado na onda de utopia e autoconhecimento além das palavras.

Andava por aí..., ria das loucuras das pessoas, dos transeuntes: correria para o trabalho, estudantes vagando pelos bares em frente aos colégios, alguns malucos fumando um baseado nas esquinas e nos terrenos ermos das universidades, casais tomando sorvete nos bancos das praças, enfim, uma vidinha monótona e sem nada de perspectivas. Conhecia alguns guetos acadêmicos, ia sempre fumar um com uns amigos. Cansado da vida de asfalto, sufocado com a piração da cidade sobre a natureza, levava a vida de vagamundo.

Certa noite, procurei alguma coisa pra espantar o tédio. Fui ao bar do seu Neto, lá sempre se tem uma música antiga pra ouvir, um chorinho e uma doses de cachaças gratuitas. Não tinha nada, tava fechado. Que azar!! Deixo de entrar lá sempre quando ouço os velhos tocando um som antigo. Resolvi buscar alguma coisa pra fazer, outro ar, outra lugar. Sai vagando pela cidade... De repente, no ônibus, vejo algo claro lá fora... não dou atenção, quando passo por uma lagoa, dentro do campus universitário do pici, vejo a lua iluminando a lagoa. Um espetáculo! Saiu vagando pelo benfica... vou aos bares, não encontro ninguém. Sento na mesa e peço uma cerveja, bebo sem pressa, esqueço até onde estou. De repente, saiu do bar, nem pago a cerveja, quando me lembrei, tava longe, jamais voltaria por isso. Revejo a lua no céu, iluminando meu caminho, mas nem dou atenção. De tanto caminhar, chego à praia. Vejo nos calçadões As Virgens dos lábios de mel atacando em bando os Martins Soares, vejo-as de relance e sigo. Ando pelo pobre calçadão da Praia de Iracema, entregue ao nada. Não há Cena aqui pra nada de radical! Só putas e patricinhas!!

Caminhei pelo calçadão, cheguei à praia. O mar estava calmo. Sentei na areia e baixei a cabeça. Resolvi deitar e fiquei cara a cara com a lua. Não tive como fugir. Fiquei contemplando sua face pálida... Repentinamente, senti um perfume. Sentei na areia e fiquei vendo o mar. Lá longe, à beira mar, molhando os pés na água, via uma menina olhando pra o céu, ou melhor, uma mulher... (minha miopia vai se esvaindo)... uma bela mulher!

Esqueci da lua e fiquei vendo a mulher num diálogo lunar silencioso. Ainda tava meio atordoado com as últimas fumaças, não conseguia saber se estava na terra vendo a moça conversando com a lua ou estava na lua trocando olhares com a bela mulher Morena. Mas tudo não passou de uma viagem.

Controlei a lombra e fiquei numa turbulência poética. Levantei e fui vê-la de mais perto. Seu perfume se tornava mais visível; ela estava com um vestido branco de alças que quase cobria os joelhos, seu corpo era visível pela transparência do branco, minha visão perpassava seu vestido até me oferecer a bela essência do seu corpo. E então chegava mais perto... até que sentiu minha presença e virou-se:

- Olha, como a lua parece dizer algo. Disse-me.

- Estou atrapalhando a conversar? Perguntei.

- Não, acompanhe-me.

Eu olhei bem perto dos seus olhos quando estes se doaram a minha pessoa. Um olhar calmo e imprevisível. Voltamos à natureza! Olhei para o lado e vi umas pedras que mais parecia um quebra-mar natural. Convidei-a para me acompanhar e chegar mais perto da grande esfera amarelada que adornava o céu, cujas estrelas eram ofuscadas pela correria da cidade grande. Fez uma cara de desconfiança, mas segurou minha mãe e saímos, como um casal de velhos amantes, em direção ao tal quebra-mar.

- Eu sempre venho aqui quando a lua aparece, me desligar dos problemas... Você também? Perguntou-me.

- Não. A lua sempre me acha embriagado na janela de um bar. Hoje, cansado da sujeira dos guetos, saí sem rumo e deixei a noite me guiar. Já nem sei mais quem é a Lua?

Ela riu, um sorriso que multiplicou as luas de tão branco e lírico. Subimos no quebra-mar e ela me abraçou como se se protegesse da brisa fria da noite, fitou-me nos olhos e comecei a beijá-la. Caímos sobre as pedras e "entre os corpos, não existe vácuo" Acordamos pela manhã na areia da praia nus com as roupas jogadas. Ela se levantou, se vestiu, enquanto eu ficava sentado na areia. A cidade começava a acordar e o sol nem havia surgido no horizonte direito. Perguntei seu nome. Disse-me no ouvido pra nenhum outro leitor ouvir.

Ela me deu um beijo e saiu caminhando pela beira-mar. Fiquei em silêncio, vendo a beleza do seu Ser indo... fugindo de mim. Que involuntariedade!

Voltei outras vezes ao mesmo lugar em noites claras. A lua, com sua cara de voyer e sempre parecendo dizer algo, fazia-me a mesma pergunta:

- Será que ela vem hoje?

Eu fechava os olhos e deixava que a sinfonia tocada pelas ondas do mar invadisse meus sentidos, num bucolismo piegas.

Ivo Xavier

down
Enviado por down em 03/10/2005
Reeditado em 03/10/2005
Código do texto: T56253