Aquela lágrima

Era residente de enfermagem em UTI em um hospital particular. Trabalhava 60 horas semanais num ambiente tenso,pesado,de iminentes emergências e mortes. Entretanto,amava aquele lugar,não pela negatividade declarada do próprio meio e sim pela possibilidade de dar o meu máximo como ser humano. Sentia-me extremamente útil. Certa vez,como de costume, a orientadora da residência escolheu meus pacientes. Ou mesmo, fui escolhida a servi-los. Prefiro acreditar nisto,pois na vida meros acasos não existem. Comecei meus cuidados de enfermagem com uma paciente antiga no setor. Era uma senhora, tinha lá os seus sessenta e cinco anos, pele clara e cabelos brancos. A mesma oscilava entre o consciente e o inconsciente. No momento dos meus cuidados, apresentava-se lúcida, porém em processo de "desmame" (retirada gradual) contínuo do ventilador ( ventilação mecânica - substitui a nossa ventilação normal). E com isto estava apenas usando um tubo de traqueostomia ( orifício criado cirurgicamente na região do pescoço ao nível traqueal) como auxílio do tal "desmame". Um técnico de enfermagem me ajudou nos cuidados com ela. Entre banho, curativos, muda de roupa de cama foram várias viradas de lado da paciente. O próprio técnico já fazia tudo de forma muito mecânica e rápida para agilizar o trabalho. Só que aquelas sacudidas de lado me incomodava. Era como se não fosse gente...um ser inanimado, sem sentimentos. Entre uma virada e outra observava a expressão da face daquela senhora, pois queria tentar perceber em qual ponto sua dor era evidente. Afinal, quem está com um tubo de traqueostomia em processo de "desmame" de um ventilador, não fala . E foi aí que vi uma lágrima rolando em sua própria face. Nossa...aquilo me tocou muito! Fez-me refletir sobre tantas coisas, principalmente sobre a importância de nossas vidas. Aquela lágrima representava para aquela senhora uma dor muito maior que qualquer ferida mexida...era uma dor de alma. Uma dor por não ter vivido o que queria...uma dor por viver o que não queria: estar naquelas condições de total dependência e de não verbalização. Só restava-lhe o maltrato de sua própria consciência em lembrar-se de tal momento triste. Talvez, a mesma desejasse estar inconsciente para não sentir o grande peso sofrido do seu coração.

Aquela lágrima me fez mergulhar em mim mesma...no mais profundo do meu ser.

Fez-me refletir sobre o real sentido de nossas vidas. Não viver de parâmetros! Aproveitar...aproveitar e aproveitar o tão somente agora.

O instante já deixou de ser instante...o já é...já foi...não é mais ...o passado é inútil e o futuro imprevisível.

Façamos,então, deste agora nossa mais bela canção, nosso melhor sonho, nossa maior necessidade presente...nossa passagem mais valiosa da vida!

Coração Pensante
Enviado por Coração Pensante em 30/05/2016
Código do texto: T5652011
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