Frankenstein

Quem é o Doutor Frankenstein sem seu monstro?

A calamidade vem de fora e se alastra por dentro do corpo de retalhos. Esparrama-se pelas memórias que não existem mais, assim como a fonte da juventude eterna que amarra sua alma ao corpo como um louco é amarrado na cadeira. Nasceu do berço adulto, dos pedaços de outros – coitado do monstro, pois não? Forçado a viver por onde andam os ratos, onde a luz do sol não faz seu trabalho. Onde só há esperança que a água não suba demais e percorra toda a estrutura de pedra úmida. A água o afogaria como gado que se joga na correnteza para tentar escapar dos dentes afiados da leoa.

Coitado do monstro, queimando o fogo da vida dentro do seu peito, sendo queimado vivo pelas tochas que vinham de outros humanos fora de sua meta-representação. Humanos, de fato. Como seria possível os entender? Como podemos entender a complexidade de Shakespeare, Keats ou Baudelaire se somos seres modernos, afastados do romantismo/cismo. Criação das engrenagens, química e um suspiro do ar quente ou frio da imaginação.

Por fim a criatura foi descartada pelo que tomou gosto, abandonado pelo seu criador que, nas palavras de Nietzsche, havia morrido ou quiçá apenas perdido o interesse.

- Carreguem esse monstro daqui! – um fardado ordena aos seus companheiros.

“Eu vejo vários monstros aqui, mas somente um acorrentado.”

Pensou o velho com uma garrafa de pinga na mão,

Lançado ao crepúsculo pela vida que não vivia

Iluminado antes pelo sol e agora pelo lampião.

Pequena fagulha que o entretêm e o extravia.

Adeus, velho. Adeus, ancião.