DESPEDIDA

 
Paula olhou distraidamente o relógio de sala que, pousado sobre a peanha de mármore da lareira, marcava o tempo para ambos.
Júlio também seguiu o seu olhar e fixou a imponente peça de madeira de mogno, esculpida sob a forma de um caçador segurando uma espingarda e que encimava o mostrador do relógio em bronze.
Ao fim de uns minutos, Paula olhou-o, ele era um pouco mais alto que ela. Admirou-lhe os traços vincados do rosto, o cabelo anelado, os olhos de um azul claro.
- O que pensas fazer?
- Não sei, a minha vida não está nas minhas mãos… está nas tuas…
Ela questionou-o:
- Porque dizes isso?
- Porque é a mais pura verdade. Há cinco meses que espero tomes uma decisão. Prometeste divorciar-te…
- Pois sim, mas está difícil… Os filhos, a situação em si, ir contigo para outra cidade, arranjar escola para os pequenos nesta altura, quase no final do ano letivo… Entre outras coisas, penso ser sensato esperar que as aulas acabem.
- Se quiseres levar este nosso projeto adiante, só tens de tomar uma atitude. Ser decidida, pois tudo se resolve.
- Para ti é fácil, divorciaste-te há dois anos e meio, já estiveste a viver com outra e os teus filhos ficaram ao cuidado da mãe… Sem preocupações de maior… Ser homem é tão conveniente…
- Agora estás numa de feminista?
- Bem sabes que não, apenas que a carga cai sempre sobre nós. Para vocês é mais fácil...
- O divórcio para mim não foi fácil.
- Eu entendi isso, três meses depois já estavas a morar com a Silvana, que também não serviu para ti…
- Tu serves, pois eu amo-te…
- Tens a certeza absoluta? Não é mais um dos teus impulsos?
- Agora deu-te para questionar os meus sentimentos?
Ela respirou fundo e retorquiu:
- Sabes? Há alturas em que penso que tu não levas a vida a sério… Tens um bom emprego, limitas-te a viver o dia-a-dia e não te importas com o sofrimento que deixas para trás das costas… Sabes que mais? Muito sinceramente, não vou prejudicar os meus filhos só porque não queres esperar mais dois meses. Além disso, desagrada-me profundamente ir viver para tua casa. Prefiro viver numa com despesas repartidas, alugada e paga pelos dois.
- Então é assim? Tu decides tudo?
- Não, amor… Acho que devemos decidir em conjunto, em diálogo. Não é só um a decidir e penso que a minha ideia é correta e equilibrada…
- Não creio… Se é assim que pensas, depreendo que a nossa união não tem pernas para andar… - E dizendo isto, Júlio tirou do bolso a chave da casa dela e pousou-a sobre a mesa. - É a tua última palavra? – Perguntou ele.
Após alguns momentos de pausa, Paula foi até junto da janela, de costas para ele, as lágrimas correndo no rosto, tentando disfarçar a mágoa que naquele momento a consumia. Não falou mais, deixando-se estar assim, como que hipnotizada pelo movimento de automóveis na rua.
Júlio abriu a porta da rua e saiu, fechando-a atrás de si.

 
 


 
Imagem Google





 
Ferreira Estêvão
Enviado por Ferreira Estêvão em 13/06/2016
Reeditado em 28/11/2018
Código do texto: T5665755
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