Loucura de Amor

Um jardim perfeitamente verde, casa de três andares desenhada por um dos arquitetos mais famosos do país, todos sempre bem vestidos e uma paz e um silêncio típicos de seriados americanos. Todos. Todos pensavam que aquela era a casa mais perfeita da família mais feliz. Era o que todos pensavam. Uma família formada por um pai que se preocupava muito com sua esposa e seus dois filhos. O nome dele era Roberval. Sua esposa que era bem mais jovem, já não era tão preocupada assim com a família. O nome dela era Elaine. Elaine só queria saber de fazer compras. Ela era alegre e agitada e seu marido não acompanhava esse pique. Uma vez, ela gastou uma fortuna e ficou com a consciência muito pesada. Arrependeu-se de algumas coisas que fez e, por isso, vivia sempre triste. Chorava sempre escondida e não deixava ninguém notar seus olhos avermelhados.

Os dois tinham um casal de filhos: Fernanda e João também tinham personalidades muito diferentes. Fernanda era linda, mas não era muito amigável. Todos os garotos do bairro queriam flertar com ela, mas ela não queria saber de ninguém, e só ficava com um rapaz se ele tivesse uma condição financeira capaz de suprir todas as suas necessidades materiais. Uma vez, ela deu um passa fora no garoto mais bonito do bairro, só porque ele morava em uma casa, relativamente, humilde.

João, seu irmão, não era tão bonito. Na verdade, além de feio, ele não possuía articulação alguma. Sem jeito, péssimo gosto para vestimentas, alimentação descompassada e descontrolada que acabou por acarretar-lhe uma forma extremamente repugnante com cabelos oleosos, cara salpicada de espinhas, das mais variadas em formas cores e tamanhos. Rechonchudinho. Nunca arrumava namorada. As meninas tinham nojo daquela figura quase alienígena. Além de ter uma imagem que agredia aos olhos, ele era muito tímido e nervoso. Quando uma menina se aproximava, mesmo que fosse, apenas, para pedir uma informação de localização geográfica, ele gaguejava, soluçava e uma vez até arrotou de nervoso. Estranho isso. Muito estranho era esse menino. Seu pai, Roberval, ficava preocupado, mas não dava muita importância. Ele amava muito sua esposa e só pensava nela, fazia tudo por ela. Ele estava completamente apaixonado por aquela linda mulher que encantou seus olhos e que lhe fazia muito feliz. Elaine por sua vez, passava ao longe dos problemas da família. Comprar era seu nome e, por isso, ela não conseguia enxergar a indiferença com que sua filha a tratava, não só a ela, mas a todas as pessoas com quem convivia e, muito menos, a feiúra de seu filho que estava caminhando para virar um monstro excluído pela sociedade.

Mas eu não estou aqui para falar dos filhos de Roberval e Elaine, e sim, para falar desse estranho casal. Elaine era muito pobre antes de se casar, e a maioria dos familiares de Roberval dizia que ela só tinha se casado com ele por interesses financeiros. Isso era fácil de perceber, pois logo que começaram a namorar, Elaine engravidou de João com menos de dois meses de relacionamento. Ele, como bobão apaixonado que era, não acreditava no que seus familiares diziam. – Inveja! É esse o sentimento de vocês! – E assim, Roberval se afastou da família por amor. Por amor àquela mulher que lhe trouxera a felicidade. “Amor verdadeiro” Roberval sempre dizia isso para todos: colegas de trabalho, alguns parentes que ainda o visitavam e para seus filhos. Ele sempre dizia para os filhos que a relação que tinha com Elaine era amor verdadeiro. Ele se orgulhava disso. Amor verdadeiro.

Um belo dia, ‘uma certa fofoqueira’, mulher que morava nas adjacências, veio lhe contar uma coisa que o deixou deveras preocupado. Ele nunca fez o tipo ciumento, mesmo porque, dizia que quando o amor é verdadeiro, não há espaço para outros sentimentos. É verdade, ele confiava em Elaine de maneira absurda. Mas a notícia que recebeu fez com que ele repensasse seus puros, retos e ingênuos conceitos.

A tal fofoqueira disse que sua linda esposa, que tinha por volta de vinte anos mais nova do que ele, estava traindo o com outro homem beeeeeeeem mais jovem e beeeeeeeem mais pobre, e que ela estava sustentando o rapaz com o dinheiro de Roberval. – Muito dinheiro – Ele falou na hora. – Dou muito dinheiro a ela, realmente. Todo mês. O que Ela faz com todo esse dinheiro? –

Roberval começou a pensar em tudo aquilo que seus familiares sempre disseram. Começou a pensar no comportamento estranho de Elaine nos últimos meses. Pelo que ele já a conhecia, sabia que ela estava escondendo alguma coisa. Alguma coisa muito errada que fizera. – Claro! Ela está me traindo. – Roberval falou baixinho, antes de a fofoqueira ir embora, mas ela conseguiu ouvir e logo depois saiu. Teve gente que falou que ela saiu rindo, mas eu não sei. Não posso afirmar porque não vi isso.

Elaine Chora. Elaine se tranca no banheiro. Elaine recebe ligações estranhas e não consegue explicar com coerência o que está acontecendo. Elaine não quer saber se os filhos estão bem ou não. Não quer saber, nem se eles estão vivos ou mortos. – Todo dinheiro que dou, ela some com tudo. Destrói tudo como se fosse um devorador. Elaine! -

Silêncio de repente:

INACREDITÁVEL! – Ele gritou.

Primeiro ele ficou muito desapontado e depois ficou furioso demais. Ele sempre foi um esposo bondoso para ela. Companheiro, amigo, amante. E de repente ela age assim! – Meu Deus! Não pode ser. Não pode ser meu Deus! Meu Deus, meu Deus! Não pode ser. Não pode. Não pode ser meu Deus! Não pode, não pode. Não pode! – Ele repetia incansavelmente ao se olhar no espelho. Falava baixinho e quando percebeu, estava gritando. Aquela casa que parecia ser a mais perfeita do bairro já dava sinal das primeiras insanidades que viriam a ocorrer. Roberval não sabia o que fazer. Estava sonhando? Talvez! Ele se bateu. Tapinhas na cara, mas não conseguia acordar daquela dor tremenda que invadia o peito e rasgava o corpo todo. Então ele, com todas as forças que tinha, bateu com a cabeça na parede e abriu a testa fazendo respingar manchas vermelhas na parede. – Louco? Será que estou louco? Louco! Louco? Louco, louco. Não posso estar. Mas Será que estou? Louco? Louco, louco! Será que estou louco? Louco, louco, louco?

A primeira atitude que teve, depois desse acesso de insanidade, foi correr. Correu muito. Correu mais do que podia. Mesmo com idade um pouco avançada e com um ferimento que já não borrifava mais, pois o sangue já estava em crosta e duro que funcionava com um vedador do rombo, ele conseguiu alcançar certa distância longe de sua casa. Duas horas que ficou sentado num banco de praça foram suficientes para se sentir a pessoa mais solitária no mundo. Sentiu saudade de casa. Seus filhos, seu sofá, seus móveis caríssimos escolhidos e comprados por Elaine com o dinheiro dele e a cama King Size, macia, quente e aconchegante e que lembrava os prazeres vividos ao lado, em cima ou em baixo de sua esposa. Ele até voltaria andando, mas estava muito cansado. Pegou um ônibus e voltou para os braços de sua amada. Na viagem, tudo passava por sua cabeça. Tudo, para ele, era reflexo de suas atitudes. – Se ela me traiu, é porque a culpa é minha. Se ela não me ama é porque faltei como homem na cama. – Ônibus lotado. Roberval em pé, mas sua mente não estava ali. Ele pensava no rosto de sua tão amada esposa. As faces dela na hora do prazer. A cara da dor prazerosa que ela costuma ter quando sente o membro dilacerando suas carnes vis, molhadas, pecaminosas e traidoras. Dor agradável. Dor boa de sentir. – Tão boa que ela foi atrás de outra pessoa. Não se contentou com o prazer que eu lhe proporcionava -.

De repente, estava na entrada da sala. Nem percebeu como chegara até ali. Só sabia que estava ali. Sua esposa, preocupada, o abraçou e Roberval, como uma criança, se jogou em seus braços. Elaine cuidou de seus ferimentos com todo carinho, amor e atenção, mas não perguntou o que tinha acontecido. Pela primeira vez, aqueles braços eram estranhos. O calor que ele sentia quando estava ao seu lado, outrora, se congelou e ele sentia, agora, uma certa repugnância. Nojo. Roberval não conseguiu ficar muito tempo ao seu lado e logo que Elaine terminou o curativo, Roberval saiu sem falar nada. Isso deixou Elaine um pouco preocupada, mas mesmo assim, ela nada falou.

Roberval viveu dois dias assim: infeliz. Não sabia o que falar. Não sabia como agir. Parecia que ia ficar louco. Nunca mais ele a procurou na cama e mesmo que procurasse, a foda que dariam, mais seria a mesma. Ele imaginava Elaine trepando com um jovem sujo, dentro de um barraco, em cima de uma cama encardida ou deitados em um chão empoeirado. Já estava saturado de tantas mentiras, tantas traições. Parecia que ela mentia sobre tudo. Todos os gestos, para Roberval, soavam como falsos. Enquanto ela dormia, ele a observava. – Filha da puta, dorme tranqüila, como se nada tivesse acontecido. Mal sabe ela que já descobri tudo. Eu já sei de tudo sua piranha, vagabunda! –

No dia seguinte, ele mandou as crianças para a casa da avó que morava num bairro um pouco distante. As crianças adoraram, pois sabiam que não iam precisar ir à escola. Elas eram muito preguiçosas. Elaine ficou preocupada, pois já imaginava que seu marido estivesse desconfiando de alguma coisa. – Será que ele descobriu? – Ela pensava. Roberval podia ver a ruga que formava nitidamente um ponto de interrogação enorme estampado naquela cara antes bela e agora tão escrota. Ele conseguiu perceber seu desespero. Quando as crianças partiram, Roberval desceu e gritou por Elaine:

- Onde você está sua Filha da puta? – Berros que o bairro inteiro ouvia. –

O tom da voz de Roberval deixou Elaine muito preocupada. Ele nunca havia falado palavrão desde que se conheceram. Isso a deixou desesperada, mas ela desceu. Ela tinha certeza de que ele nunca faria mal a mulher que tanto amava.

- Fale para mim o que ele fez com você! Ele comeu te pegou por trás? A pica dele era maior do que a minha? Mais gostosa? Responda sua vagabunda! Por que você foi procurar outro macho?

Chorando ele fez a última pergunta:

- Por que fez isso comigo?

Antes que ela respondesse...

Um...

Dois...

Três...

Os vizinhos contaram em uníssono os últimos sons que emanavam da casa perfeita da família feliz. Três tiros. Três tiros foram suficientes para mandá-la para outro mundo. – Vá-te pr’a puta que lhe pariu, sua égua traidora! – Ele falou baixinho em seu ouvido.

Depois de morta, com o corpo ainda quente, Roberval a possuiu mais uma vez. Pela última vez ele viu aquele corpo perfeito com penugens loiras. Ele a puxou pelos cabelos e necrofilou. Pior do que um animal. Doença. Ele só podia ser doente. Ele cometeu a maior loucura de amor.

Roberval tinha muito dinheiro e conseguiu não ir preso. As crianças nunca mais voltaram da casa da avó e ele viveu feliz com sua nova esposa. A mesma que tinha dito que ele estava sendo traído por Elaine. Rita usava roupas vermelhas, curtas e muito chamativas. A nova esposa de Roberval. Conhecia por todos os motoristas de ônibus do bairro. Conhecida por todos os operários das obras adjacentes. – Amor perfeito – Roberval dizia. – Amor perfeito. Perfeito sim. Amor. Perfeito amor. Amor, amor. Perfeito amor. Amor perfeito. Perfeito, perfeito. Amor perfeito. Amor perfeito. Amor perfeito. –

Elaine morreu sem nada entender. Ela só estava preocupada porque tinha comprado mais do que podia e por isso, só por isso, Elaine sofria, chorava e ficava tão desnorteada. Não queria que Roberval descobrisse. Afinal de contas, todos já diziam que ela estava com ele só por causa do dinheiro. Ela queria provar o contrário. Pegou um empréstimo com um agiota e se enrolou ainda mais e por isso o agiota sempre ligava nos horários mais incômodos. Ela adorava sua família: Sua filha, mesmo com toda a indiferença e seu filho, que mesmo com todas as espinhas ela sempre o beijava dando-lhe boa noite ou se despedindo. Ela só gostava de comprar. Morreu como uma cadela traidora por um erro tão pequeno. Mas um erro. Uma traição. Uma traição, com certeza. Uma traição. Uma traição. Uma traição. Com certeza. Sim uma traição. Com certeza uma traição. Traição. Traição. Traição!

Jorge Jr
Enviado por Jorge Jr em 16/07/2007
Reeditado em 11/11/2009
Código do texto: T566861
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