A PONTE

A PONTE

A ponte fora construída em 1950, sobre o leito de um córrego qualquer, num local não apropriado, de barrancos argilosos. Por isso ela havia cedido nas duas cabeças. Do lado oeste foi na primeira chuva, mas como cedeu pouco não atrapalhava o trânsito de todo. Do lado leste só veio a ceder três anos depois, porém cedeu muito, quase caindo de todo, automaticamente impediu de vez o tráfego.

A enchente que sobreveio com as chuvas de três anos depois da construção da ponte, formou uma imensa represa. A planície, ao longo do córrego no sentido norte foi inundada, alagando toda a bacia, presenteando quem olhasse com uma belezura de visão.

A água não chegou a transbordar para lado nenhum, vazou por baixo da cabeça oeste da ponte, pois a água assim como a covardia e o desejo, sempre encontram o nível mais baixo. Ainda que a água seja a essência da vida, o excesso mata. E a vegetação submersa morreu com três meses; as árvores com água até um terço do tronco ou mais, morreram com nove meses. A decomposição desta vegetação, morta pela água, fez exalar um gás tóxico de odor apimentado, que inalado pelos humanos ao longo dos dois lados da represa, também causou mortandade, não de imediato, paulatinamente.

Quem não morreu envenenado teve sorte, morreu afogado ao atravessar a ponte.

Um casal sobreviveu.

Ele era pedreiro renomado e recomendado por todos, em léguas, no entorno da represa. Sua esposa era doceira, renomada e recomendada por todos, também por léguas em volta da sua moradia.

Ambos afrodescendentes: pretos até os dentes.

Seu primeiro filho deu azar de nascer branco de olhos azuis. Na primeira noite depois do parto, o marido amarrou e amordaçou a esposa; e jogou-a na represa.

Quarenta anos depois, em 1990, um jornal sensacionalista escreveu que a mulher preta não morreu afogada, mas de fome; e o filho gerou descendentes, os quais dinamitaram a ponte. E lá se foi a represa.