Análise de Coxinha - Parte VI

Angélica, a tia do meio de Heitor, além de vender cosméticos, entrou para a venda de salgadinhos congelados que são assados no forno, nada de fritura, eles são assados no forno. Naquela mesma semana, após um churrasco em comemoração aos setenta anos do seu pai, seu Frederico, avô do garoto vidrado em coxinhas, ela mostra o catálogo dos quitutes e atrai a curiosidade do seu sobrinho:

- Ei tia, quando custam as coxinhas?

- Vinte reais, vai comprar, meu sobrinho?

- Coloca meu nome aí!

Ela lhe dá a revista e uma caneta, Heitor marca o seu nome com letra de forma em cima da página que mostra as mini coxinhas, ele imagina aquilo assado e pensa que o gosto não deve ser o mesmo, porém acha interessante ter de tudo naquele catálogo, de enroladinho de salsicha a pequenos churros, belas fotos.

Esperta, a moça tira do forno uma rodada de churros e serve para a família, todos acham uma delícia e ela engrena com a venda dos cosméticos, Heitor, cheio de churrasco e bolo no estômago, se deita após tomar um anti gripal que lhe dá sono. Após cochilos na cadeira, ele vai até o quarto, desfaz a cama e se deita, em poucos minutos, o bom sono vira um sonho bom, nele, uma moça de lábios carnudos conversa com ele e promete o beijar, mas só se ele comer uma coxinha, ela sai do espaço em que eles estão e volta com um prato com uma coxinha e sachês de catchup, Heitor reclama:

- Não precisa de catchup, não precisa de catchup, não, não...

Após o rápido sonho que misturou prazer e fome, o sonolento garoto acorda com babas no travesseiro e com aquela sensação que teve um sono de uma noite inteira, mas só se passou uma hora, nem é nove horas da noite e os últimos convidados da festa já foram embora, ele desce a escada, tenta se lembrar da moça do sonho, lava o rosto, tenta novamente se lembrar da moça do sonho, pega moedas, sai e vai até o mercado comprar chocolate, Heitor olha para uma funcionária do mercado que fica atrás de um balcão destinado aos consumidores, repara em seus olhos castanhos profundos e percebe que a funcionária não tem muito a ver com aquela criatura que pisou em seu sonho e entrando de volta para encontra Angélica:

- Tia, quando chegam as coxinhas?

- Quando eu fizer o pedido, aí eu aviso, tá?

- Tá!

Algumas lembranças da infância vieram na cabeça de Heitor quando ele passou em frente ao hospital em que nasceu numa tarde em que voltava da biblioteca municipal do centro de Guarulhos, o jovem recordou de quando ficou doente quando tinha oito anos e foi parar no pronto socorro de lá.

Lembrou de que uma dor na urina o fez tomar soro, ter que tirar um raio-x e ser diagnosticado com anemia, ele faltou à escola e ficou triste por estar ali, mas o melhor foi na saída do hospital com seu pai que o levou ao outro lado da rua onde havia uma lanchonete, o médico havia receitado umas vitaminas, muito agrião, agrião, muito agrião e feijão para a cura da anemia, mas já pequeno o fascínio por coxinha lhe tomava e ele pediu uma coxinha de frango e um suco de laranja.

O mais interessante é que a lanchonete ainda existe, um pouco diferente daquela vez, pois se passaram quinze anos, Heitor estava na terceira série e sofria com a implicância de um colega da sala que gostava de empurrá-lo, foi bom ter faltado naquele dia para não ver a cara do desgraçadinho,, a coxinha foi comida com vontade até porque o garoto estava fraco após os procedimentos hospitalares.

Veio a ideia de entrar ali e provar da coxinha após as lembranças, mas numa próxima oportunidade, Heitor já estava longe dali e mais perto do caminho de casa, ele chegou à cozinha da residência e perguntou para a sua mãe de quando havia tido a tal anemia, sua mãe foi enfática e interrogativa

- Ah, Heitor, o médico mandou você comer agrião, deve ser por isso que você gosta, mas de que comida cê não gosta, né?

- Eu não gosto de pepino!

- Ah, bem temperado, é bom, tudo bem temperado fica bom!

- E coxinha, coxinha ou pepino?

- Um lanche, um hambúrguer daquelas propagandas da tv, queria um...

O jovem se lembrou de que a mãe sempre falou desses hambúrgueres de fast food, até pensou em comprar um para ela na próxima saída e ele sabia que tinha coisas a fazer na próxima saída como:

Visitar a lanchonete da coxinha da infância, ir a um fast food atrás de um hambúrguer, achar um livro que fala sobre a cognição humana que não foi encontrado na biblioteca municipal, comprar pares de meia, pois os pares de suas meias estavam sendo desfeitos e usar meia com par trocado dá azar em sua percepção. Tudo isso ele teria que fazer, menos voltar ao hospital, porque, além do mais, não tinha convênio mesmo...