Baseado em Fatos Reais! ( Cap. V)

 

 

Ela, que já havia passado por maus momentos, desde a sua desastrada chegada à Capital, não se deixou levar pelo pessimismo, ou auto-piedade.

Não havia outro jeito. Ou passava a noite ali mesmo, naquele banco de cimento, frio, da Rodoviária, ou ficaria ao relento.

Preferiu, então, a primeira opção!

Sentou-se, colocou a velha mochila, surrada, de tecido grosseiro, com tudo o que lhe pertencia, ajeitou-a, como um travesseiro, e, como já era tardia a hora, deitou-se ali mesmo, não demorando a pegar no sono, tão exausta se encontrava!

Fazia calor, muito calor! Pleno 22 de Dezembro! Ano: 1970!

Havia chegado à cidade há dois dias atrás, “sem lenço e sem documentos”, como dizia a canção, um hit da época,  não conhecia ninguém, não sabia para onde iria, no dia seguinte! Só o que sabia, era que estava completamente perdida, naquele redemoinho de pessoas, indo e vindo, uma loucura que a deixava tonta, apesar de seus dezoito anos, apenas, mas que a amedrontava, às vezes!

Mas não lhe era permitido fraquejar! Em nenhum momento! Havia saído de sua pequena cidade, no interior de Minas Gerais, sem o devido consentimento do pai (a mãe havia falecido quando ela mal havia completado 13 anos), e, o que não lhe passava pela cabeça, naquele momento, era a possibilidade de retornar para lá.

Acordou, repentinamente, com alguém batendo as suas costas. Era um Guarda, o Segurança que fazia  a ronda, ostensivamente, por ali!

Levantou-se, assustada, sonolenta, e, como já havia planejado, respondeu à pergunta do Guarda, sobre o motivo de estar dormindo ali, naquele banco do saguão de espera.

-Estou aguardando meu ônibus, que só sai após às quatro horas da manhã, seu Guarda!

-Mas, porque você veio a essa hora para cá, menina? Está viajando sozinha? Que idade você tem? Perguntou aquele homem, sério, já com mais de uns 50 anos, mas que lhe passava certa confiança, apesar de estar fazendo o seu trabalho.

- É que eu, com medo de me atrasar, vim muito cedo e resolvi esperar aqui mesmo, para não perder o ônibus, Senhor!

- Deixe-me ver seus documentos! Retrucou, desconfiado!

Ela retirou uma espécie de saquinho de plástico, onde estavam seus documentos e alguns trocados, apresentando-os ao Guarda.

Ele os consultou, olhou bem para ela, pois era franzina e não aparentava a idade que tinha, na verdade.

Entregou-os de volta, recomendando que tomasse cuidado, pois ali passavam muitos “maus elementos” e era perigoso.

Marta suspirou aliviada e, tranquilamente, no vigor de seus 18 anos, voltou a dormir.

Acordou por volta de cinco horas da manhã e, a primeira coisa que fez, foi verificar se o Guarda, que a havia abordado na noite anterior, não estava por ali, pois aí perceberia que ela mentira!

Levantou-se, foi até um banheiro, naquele mesmo andar, lavou o rosto, escovou os dentes, com a escova e a pasta dental que carregava consigo, deu uma escovada nos longos cabelos lisos, fez xixi, e saiu, em direção a uma das inúmeras lanchonetes, que existiam ali mesmo, no saguão de espera.

E agora!? O que faria!? Naquela noite, era evidente que não poderia usar do mesmo artifício, pois seria até presa, talvez, por estar dormindo na Rodoviária!

Não tinha ainda pensado como, quando e para onde iria, mas daria um jeito!

Agora, o que mais a incomodava, era aquele desconforto no estômago, por falta de alimento. Desde o lanche do dia anterior, que não havia comido nada mais!

Abriu o envelope de plástico, novamente, contou os poucos trocados que possuía e constatou que não dava para pagar nem mesmo um café.

E, se usasse o pouco que havia sobrado para comer, não poderia locomover-se dali para onde quer que fosse, pois ficaria totalmente sem condições de pagar por um meio de transporte. Parou em um bebedouro e sorveu, com sofreguidão, como se no meio do deserto estivesse, imaginando, com isso, saciar a fome que sentia.

Foi caminhando em direção às escadas rolantes que a levariam à rua, para depois tomar alguma decisão sobre o seu destino e, em seu trajeto, passou pela Lanchonete, que estava servindo um café cheiroso com Pão de Queijo às pessoas, que se aglomeravam no balcão.

Salivou, tamanha era a vontade de comer, pelo menos um e tomar um cafezinho quente e cheiroso daqueles!

Daria qualquer coisa por aquilo! Será?! Não!

Procurou esquecer a fome, pois tinha muito a resolver sobre seu destino na cidade grande e seguiu seu caminho, mas não, sem antes, lançar mais um olhar, cheio de vontade naquele balcão, repleto de gente, tomando seu café da manhã.

Teve um momento, apenas um momento de indecisão.

- E, se, pelo menos pudesse tomar um café! Pensou...

Parou no balcão, perguntou o preço do cafezinho e pediu que o atendente lhe trouxesse um. Porém, seu olhar não se desgrudava dos pãezinhos de queijo, pão com manteiga, bolo e tudo o mais que havia de gostoso que lhe enchia os olhos!

Mas não poderia! O café, apenas o cafezinho, já iria lhe fazer falta, mais tarde,

o pouco que pagasse por ele.

Estava ali, sem ninguém para lhe ajudar, que pudesse fazer alguma coisa por ela.

Começou, pela primeira vez, desde que saiu de sua casa, com todo o conforto que tinha, a ter medo! Um medo que lhe gelava a Alma!

Porém, não deixaria que isso atrapalhasse seus planos de se instalar na Cidade, procurar emprego, buscar suas oportunidades de crescimento.

Afinal, foi para isso que havia deixado pai e irmãos, tão distantes, o calor da família, e partido para essa louca aventura!

Quando já estava terminando de tomar o café, pois procurava sorvê-lo, bem devagar, como se, assim, retardasse o seu final, quando alguém, ao seu lado, um homem ao qual nem havia prestado atenção, bateu-lhe no ombro, delicadamente e perguntou:

- Como é seu nome?

Ela, meio amedrontada e desconfiada, sem saber se respondia ou fugia dali, ficou muda!

O homem, de mais ou menos 30 anos, repetiu a pergunta e acrescentou:

- Não precisa ter medo! Só quero saber seu nome e oferecer-lhe um café da manhã, um pouco mais reforçado do que este simples cafezinho que você está tomando!

Percebi que você não tira os olhos da vitrine de pães, bolos e tudo de gostoso que tem aqui e resolvi oferecer-lhe, apenas isso!

- Marta, disse-lhe ela, timidamente!

- Então, Marta, vamos nos sentar naquela mesinha ali ao lado e eu pago um bom café para você.

Ela não sabe por que, repentinamente, confiou naquele homem e aceitou o convite!

Talvez, porque a  fome que sentia era tanta, que abafou o medo e cautela a que se propôs, desde a sua chegada à grande Metrópole.

Acomodaram-se naquela mesa, ele chamou o atendente da Lanchonete, pediu o Cardápio e disse-lhe que ela poderia escolher o que quisesse.

Será que esse homem era um Anjo, enviado por sua mãe, lá do Céu, onde ela se encontrava, que ela tanto chamava, em suas horas de desespero!?

Pediu um farto café da manhã e conversou com aquele homem, Paulo, era seu nome, contou-lhe toda a sua aventura, de como havia saído de casa, como veio parar ali e, principalmente, de como se sentia perdida, sem saber o que fazer, para começar uma nova vida, com a qual tanto sonhara, por tanto tempo!

E que agora a aterrorizava!

Paulo, atônito, quase não acreditava no que ouvia!

Depois de Marta relatar toda a sua história, ele contou-lhe que estava apenas de passagem, pois residia no Interior de São Paulo e que seu Ônibus sairia em 30 minutos.

Então, como se já se conhecessem há tempos,  ele fez-lhe uma proposta, no mínimo, estranha e absurda!

- Marta, eu vou propor-lhe algo que pode parecer estranho, mas, acredite, é a melhor coisa que fará, se aceitar.

Assustada, ela argüiu-o:

- O quê? Olha, não vou aceitar nada só para pagar-lhe o café que você me ofereceu! Eu não lhe pedi nada!

-Não, menina! Não é nada disso que você está pensando! Riu ele.

- Porém, você tem que tomar muito cuidado, pois é muito novinha, é uma menina bonita e, convites indecentes não lhe faltarão.

O que quero propor-lhe, é pagar a sua passagem de volta para sua cidade,

eu lhe darei algum dinheiro para que você não fique mais com fome, como estava, até chegar lá e que volte para sua família, para sua casa!

Isto que você fez é uma verdadeira loucura, não vai dar certo!

Você é uma boa garota, bem educada, vê-se logo, e não pode ficar assim, dormindo em Rodoviárias, não dará bons resultados!

Por favor, aceite a minha proposta!

Marta, olhou-o bem no fundo dos olhos, quase às lágrimas, agradecida por ter encontrado em seu caminho aquele homem bom e desinteressado, o que, apesar de sua pouca idade, sabia ser quase impossível!

-Obrigada, Paulo! Sou-lhe muito agradecida por tudo, principalmente pelos bons conselhos, mas eu não vou voltar!

Eu vim para cá com um objetivo e nada me fará mudar de idéia!

Nem perca seu tempo em insistir, pois não vou aceitar!

E, dizendo isso, foi se levantando, como se quisesse fugir dali, daquela oferta tentadora, pois tinha consciência de que, naquele momento, era a melhor decisão a ser tomada! Ele tinha razão e, se não fosse tão teimosa, aceitaria a oferta.

Paulo, então, segurou-lhe, delicadamente pelo braço, como um irmão mais velho, que só quer o seu bem, e disse-lhe;

-Está bem! Não vou insistir mais! Mas, fique com meu telefone, eu tenho um Comércio de Peças para Automóveis, em minha cidade, aqui próximo da Capital e, se algo der errado, não se acanhe em me telefonar!

E, retirando a Carteira do bolso, pegou uma nota (que ela nem sabia mais qual era a Moeda vigente da época, mas que, provavelmente, seria equivalente a uns cinqüenta reais hoje), e, quase implorando para que ela aceitasse, colocou-a entre seus dedos, fechando-lhe a mão, para que ela não soltasse o dinheiro.

-Tome. É para você tomar uma condução, até onde vai... E só posso ficar torcendo para que tudo saia como o planejado. Que você seja muito feliz!

Despediram-se, com um aperto de mãos e ela desceu as escadas, em direção à rua.

Nem olhou para trás! Quem era aquele homem!?

O que aconteceu em sua vida, a partir daquele momento?

Quem sabe!... Talvez, no próximo Capitulo,
desse Livro Auto-Biográfico que nunca termina!
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NA: Os nomes aqui utilizados, são fictícios!

 

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