RÚSTICO

O sol descambando no horizonte cansado atropelava algumas nuvens, e pintava o céu num tom escarlate que ia morrer num amarelo desbotado. As aves em revoada, como que respingando de negro a tela do infinito, buscavam afoitas seus galhos aqui e acolá.

O caboclo puxou a última enxadada, descurvou-se, arredou um pouco para trás seu chapéu de palha e com a manga de sua camisa desbotada enxugou o suor que marejava em seu rosto da mormaceira do dia.

Olhou absorto, por um largo tempo, aquele cenário da natureza, sorriu, fechou os olhos e fazendo um sinal da cruz agradeceu ao Criador pelo dia de trabalho e pela lindeza do entardecer.

Pegou o embornal com a marmita que sua cabocla tinha preparado, ajeitou a enxada no ombro e pegou o rumo da palhoça.

Assobiou uma canção qualquer enquanto caminhava.

Suas passadas firmes fincavam marcas na poeira da estrada.

Sua casa apareceu, mais adiante, na curva da estrada fazendo parte da pintura daquele morrer de dia. Era uma cena bucólica: - o caboclo na estrada e sua cabana mais alem ao entardecer

Enquanto se aproximava foi admirando a paisagem detalhadamente, como se tivesse degustando um vinho precioso. Tudo para ele era belo, um sonho encantado. Olhava feliz para os dois coqueiros que envergados pelo vento pareciam reverenciar a sua casa. Olhava os canteiros floridos que faziam o contorno de sua casa. A fumaça que saia da chaminé, e se perdia bêbada pela amplidão, anunciava que dentro daquela casa tinha alguém que o esperava. Olhou e sorriu. Notou mais adiante, no sitio visinho que os bois em fila se recolhiam aos currais. O mundão para ele era tudo aquilo, nada mais desejava, nada mais lhe faltava.

Tudo era mansidão e paz e ele sentia-se o homem mais feliz do mundo.

Quando já perto chegava, uma criança abriu a porta e de braços abertos, passou correndo pelo semi aberto portão seguida pelo seu guapeca. Vinha feliz, gritando em sua direção, anunciando:

- Mamãe, mamãe o papai ta chegando!

O caboclo contente, também de braços abertos, se ajoelhou para ficar na mesma altura e esperou pelo abraço gostoso que chegava de seu filho. O cachorro de rabo abanando permaneceu ladrando a sua volta,

Na porta da palhoça a cabocla, de avental, sorrindo viu se repetir, de tantas, mais uma vez, esta linda cena.

Num abraço apertado os dois permaneceram, pai e filho, por algum momento em silêncio como se fosse o regresso de uma longa ausência. O cachorro então, parecendo entender, apenas gania baixinho.

O caboclo levantou-se, pegando no colo seu filho, que em mil perguntas queria saber tudo o que aconteceu com o pai naquele dia. Passou a mão calejada na cabeça do pulguento e rumou para casa.

Na soleira da porta abraçou sua cabocla.

A casa era singela de paredes e assoalho em madeira lavrada coberta de sapé. Uma mesa tosca, com quatro cadeiras em palhinha, era a mobília mais importante presente que fora dado por um compadre seu. Na parede, assentado numa cantoneira, um rádio antigo, valvulado tocado a bateria era a única modernidade daquela família. Um quadro antigo da sagrada família estava pendurado na outra parede abençoando o ambiente. Um lampião a querosene deixava rastros de fumaça na parede onde estava pendurado. O quarto era contiguo a cozinha onde acomodava o casal e seu filho nas camas toscas coberta de colchão de palha de milho.

A lata de água no fogão a lenha de taipa para o banho já estava quase borbulhando. As panelas de ferro já anunciavam que o jantar logo estaria pronto.

Pegou o machado atrás da porta, verificou o fio e foi cortar um pouco mais de lenha. Empilhou-a no puxado ao lado do poço. Com o sarilho tirou alguns baldes d’água enchendo a tina que estava dentro da cozinha. Conferiu as galinhas no galinheiro fechando-o cautelosamente. Deu uma rápida olhada no leitão que engordava no chiqueiro, quando então, escutou a voz de sua cabocla:

- A água já tá quente, amor! Anunciou ela;

A noite já se apresentava vestida de estrelas no brilho do luar que se perdia na amplidão.

O caboclo entrou, acendeu o lampião da cozinha e levou a lamparina para o lugar do banho.

Desceu na roldana o balde de chuveiro, colocou a água fria e em seguida a água quente dosando a temperatura; Ergueu-o na altura adequada, amarrando a corda num prego de caibro que se encontrava cravado na parede.

O caboclo sentou-se à mesa, e em seguida seu filho. A cabocla carinhosamente serviu o jantar e sentou-se também. Na mesa o feijão, o arroz, a farinha de mandioca e o frango tudo do processo do próprio sítio. Um breve silêncio, e a voz de barítono do caboclo elevou-se em oração de bênçãos, e agradecimento pelas coisas que tinham.

Num banco tosco, ao lado de fora recostados na parede os três conversavam tomando banho de luar admirando as estrelas ao som da orquestra da zoina dos mosquitos, dos grunhidos do porco no chiqueiro, do pio das corujas e do muar das vacas nos currais mais distante.

Tudo era melodia quando então o caboclo para completar a sinfonia pegou sua viola e começou a cantar uma modinha qualquer. Seu filho, que brincava com o cachorro, sentou no banco ao lado da mãe para se deliciar com as canções de seu pai.

Sua toada, na voz melodiosa foi além da cerca, além dos currais, perder-se no horizonte escuro.

Quando viu o filho adormecido no regaço da sua cabocla cantou, com alegria e muito amor, sua última canção.

Esta música foi como uma oração que ele dedicou ao seu criador antes de se recolher.

Apagou-se o lampião.

Tudo agora dorme na sinfonia surda do silêncio, apenas o vento, do lado de fora, brinca nos ramos verdes do coqueiro que se curva ainda mais.

Mario dos Santos Lima
Enviado por Mario dos Santos Lima em 27/10/2016
Código do texto: T5805007
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2016. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.