UM DIA (QUASE) ATRAPALHADO
  
            Prometia ser um dia esplendoroso: a seresta do período vespertino daquele domingo; os preparativos para Cosme e Damião, bem como a expectativa de apreciar o eclipse lunar.
            Na primeira atividade domingueira, a cantoria, o cavaquinhista e coordenador da mesma, era considerado exigente na escolha, tanto das músicas quanto dos cantores e cantoras. Enquanto tocava, observava o grupo e escolhia de antemão quem iria cantar e, se possível, indicava a música a ser cantada. Quem se atreveria a contradizer? Nem a Graça, com seu jeitinho gracioso – que, naquele dia, não tinha dado o ar da sua graça – para tentar persuadi-lo.
            Entre umas e outras músicas, chegou a vez da Marizete cantar “O xote das meninas” (Luiz Gonzaga e Zé Dantas). Eis que, no trecho do refrão: “Ela só quer / só pensa em namorar / Ela só quer / só pensa em namorar”... Plac! Arrebenta uma corda do cavaquinho do seu Vivi. Imediatamente, desconcertado, o músico ficou acabrunhado. Mesmo assim a Marizete – vestia blusa vermelha e saia rodada estampada e longa –, conseguiu terminar a música e fora aplaudida. Por outro lado, o burburinho no grupo cessava a cada olhar esvoaçante do cavaquinhista. Até o céu começou a se fechar.
            A música seguinte “India” (José Asunción Flores e Manuel Ortiz Guerrero), o cavaquinhista fez questão de cantá-la.  Na segunda passagem da música, mais especificamente no trecho: “Quando eu for embora para bem distante / e chegar a hora de dizer-lhe adeus...”, outro infortúnio: a dentadura do cantor saltou da boca ao solo. Mal se pode dizer que, nem Corega, nesse momento, resolveria. Um tanto constrangido, guardou a dentadura no bolso e continuou apenas a tocar o instrumento.
            Se, nesse momento, Evinha  ̶  toda emperiquitada, com calça colante verde, uma camisa branca, levemente cingida  por um cinto branco e, sapatos pretos  ̶  achou que sua chance de cantar, naquele dia, tinha ido pró beleleu. Enganou-se. Foi chamada sim, para interpretar “Galopeira”, de Maurício Zayas e Cardoso Ocampo. Como era usual, Madalena, se levanta para acompanhar a colega a cantar. Ambas entusiasmadas e a plateia também. Dele Galopeira!: “Galopeira, nunca mais te esquecerei / Galopeira, pra matar minha saudade / Pra minha felicidade...”
            ̶ Plac! Putz! – destoou no ar. 
            ̶ O que foi isso? – perguntaram. Olhando para o cavaquinhista, não se tratava mais da sua dentadura; mas sim, da segunda corda do cavaquinho. Rebentou. Agora sim, que a vaca vai pro brejo, pensou Evinha. Que nada. Continuaram assim mesmo. 
            A cantoria teve seus altos e baixos, sem deixar de ter sido prazerosa; a lua ficou um bom tempinho, escondidinha, por causa do tempo parcialmente nublado e, nós cá, à espreita para capturá-la. Os doces, por outro lado, correram as ruas e fizeram a alegria da criançada.
            ̶ O que vale é a partilha de sons, os encontros, as alegrias, as belezas naturais e o que cala, na alma. – disse Evinha, sorrindo.
 
[Conto publicado na Antologia Contos Fantásticos - Edição Especial de Setembro 2016 - CBJE/RJ; p.57-59]