O espanto

Estão afoitos feito loucos na cidade esquecida. Outrora havia ido ao encontro deles, e agora, estou cá, incomodado no meio desses cães. Cidade que é cidade regenera igual rabo de lagartixa. Regenera, mas não rasteja! Inventa, reinventa, constrói, destrói, reconstrói. Ilude, ilude-se e deixa-se iludir, faz de boba pra ganhar os bobos! Os ladrares dos cães soam como sirenes de ambulância aos meus ouvidos. Ambulâncias ou bombeiros? Nem sei. Quase chegam a perfurar os tímpanos da cidade!

Dentro da cidade há um mundo, dentro do mundo, um submundo. Dentro do submundo uma alma, dentro da alma um homem e dentro do homem um coração. Que expressa sempre em intervalos, cada palavra dita. Em silêncios também às vezes chora uma saudade doida, doída, endoidecida, um rascunho da vida que passou. A cidade pede licença: "abre alas que eu quero passar!"

A cidade esquecida dorme de luz acesa, dispensa momentos e vê-se enrolada diante dos cães. Malditos cães lazarentos que me ensurdecem e me dão nos nervos!

A noite cai deliciosa, a madrugada chega serena. Passam-se os dias e os cães estão sempre a ladrar. Não sei o que reivindicam com tanto barulho. A cidade esquecida já foi habitada, florida. Havia grama verde e muitos pássaros. Havia? Bom, creio que ainda há, apenas hibernam num sono delicado. Os lazarentos não sabem, mas a cidade é de carne e osso. Acorda, deita, dorme, desperta, torna a dormir.

Para por alguns instantes e um vira-latas de rabo branco e manchas pardas, sarnento e cego de um olho ladra pro lado dela. Enfrenta, por que não é cidade de recuar!

Onde estão os pássaros? Onde está a grama verde? Onde estão as milhares de borboletas? Indaga-se todos os dias, aonde é que estão os meus habitantes? Será que só há cães aqui?

Ela para e respira, espanta os cães e dorme, como quem não quer nada! E no outro dia começa tudo de novo. Os cães estão a ladrar feito loucos na cidade esquecida. Um dia ainda transfiro esses lazarentos de uma figa para dentro do bosque encantado da cidade. Talvez o barulho todo dos cães seja apenas um socorro oferecido, um latido lançado.

A natureza é sábia e tem seus meios!!

Daniel Cezário
Enviado por Daniel Cezário em 15/11/2016
Código do texto: T5824308
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