A Lagoa do fundo

A lagoa do fundo

Elisa acordou cedo, embora não tivesse nada de muito importante a fazer do alto de seus quatro anos de idade. Ela até queria fazer algo, mas apesar de muito criança conhecia sua impotência perante a situação. Sua realidade não era nada fácil e administrar isso requereria maturidade e determinação. Mas afinal uma criança de quatro anos consegue ter essas características? Parece que Elisa tinha. Sua avó, Dona Chica, doce criatura de olhos bens azuis, lhe serviu o café e afagou seu cabelo chanel com franjinha. Era o pouco carinho que recebia todos os dias pela manhã e este seria um dia decisivo na vida da pequena Elisa. A avó avisou:

___ meu bem, tome seu café e se arrume bem bonita para irmos á missa.

A poucos dias atrás Elisa havia sofrido a dor da separação de seus pais de um modo muito traumático. Seu pai a levara embora, forçando-a a separar-se de sua amada mãe e da irmã mais nova. Não adiantaram os gritos de desespero e choro de ambas, mãe e filha, implorando para ficarem juntas. Seu pai, mais forte e decidido a não ceder, arrastou-a aos gritos para dentro do ônibus que seguiria rumo à cidade onde residiam os avós paternos. Os passageiros olhavam curiosos e assustados, porém se mantinham impassíveis diante da cena. Seria um trajeto longo, por estradas de terra, esburacadas, sem nenhuma estrutura. Após algumas horas de viagem, Elisa se resignou. Não havia nada a fazer. Cessou o choro e adormeceu sonhando com anjos que a carregavam rumo ao encontro e abraço de sua mãe.

Acordou e se deu conta da sua situação novamente. Há cinco dias atrás ela acordara com os gritos da mãe pedindo socorro. Seu pai, um homem jovem, forte e truculento estava sobre a sua mãe tentando estrangulá-la. Elisa apavorada e aos gritos pediu ao pai que parasse e ele bruscamente respondeu-lhe:

___ Cala tua boca ou vai sobrar pra você também!

Não havia mais nada a fazer a não ser se encolher no canto e chorar. A mãe, Rosa, por um milagre, conseguiu se desvencilhar do marido e correu para a rua pedindo ajuda. Uma vizinha e amiga a socorreu, acolhendo-a em sua casa. No dia seguinte Rosa partiria rumo à casa de seus pais, sem tomar conhecimento da casa e das filhas. E desde o fatídico acontecimento até aquele dia da forçada viagem de ônibus Elisa não havia mais visto a mãe. Ficou ela e sua irmã de um ano em casa, perdida, desamparada. Não sabia nada, mas era uma criança esperta e cuidava da irmã pequena como se fosse sua boneca. Subia em um banquinho e preparava o mingau de fécula de mandioca para sua mana. Sentava ao lado e brincava horas com a irmã tão inocente. Quando a mãe retornou com a intenção de levar as filhas consigo, Miguel, o pai, negou dizendo a ela que voltasse para casa e assumisse suas obrigações de esposa. Rosa, que já apanhara outras vezes de Miguel, estava decidida a dar um basta e não concordou. Então Miguel informou a ela que se quisesse poderia levar a filha mais nova, Eliana, e que Elisa ficaria com ele. E foi assim que Elisa embarcou no pesadelo de acompanhar o pai a força para o destino que lhe aguardava. Eliana seguiu com a mãe no sentido contrário para a casa dos avós maternos.

Ao desembarcarem na cidade, Miguel seguiu até a casa de seus pais e informou que a partir daquela data Elisa moraria com eles. Mas o que ele queria não era cuidar da filha e sim provocar a mãe de Elisa para que ela sofresse a dor da perda. Tanto era assim, que passou a viajar muito, dormir fora de casa e não dava atenção nenhuma à filha.

Nos fundos da casa dos avós de Elisa havia uma grande e bonita lagoa onde todos os dias ao final da tarde as crianças da vizinhança se encontravam para tomar banho fazendo a maior algazarra. Os adultos, pais ou responsáveis supervisionavam, pois haviam lugares cuja profundidade era arriscada para crianças pequenas. As maiores eram autorizadas a pular de uma árvore se jogando no fundo e nadando para a margem. Contudo, já ocorrera afogamentos naquela lagoa de beleza encantadora. Era preciso muito cuidado e atenção.

Era uma linda manhã de outono, quando os avós se encaminhavam para a igreja local acompanhados da neta. Elisa viu de longe sua tia Antonieta, irmã de sua mãe, vindo a cavalo. De um supetão soltou-se das mãos de seu avô e correu ao encontro da tia com os bracinhos erguidos, gritando:

__Me pega, me pega, me pega! Me leva para a minha mãe.

A tia desceu do cavalo, cumprimentou Dona Chica e o Sr. João, abraçou ternamente a sobrinha e explicou que não poderia ser assim. Elisa abaixou o semblante triste e declarou:

__ Se você não me levar para minha mãe, eu pulo dentro da lagoa e morro afogada!

Dona Antonieta estremeceu de medo. Disse aos avós para serem cuidadosos com Elisa e que jamais a deixassem sozinha na lagoa. Chegou a declarar que se algo acontecesse à menina, ela não descansaria enquanto o responsável não fosse severamente punido.

Dois dias se passaram, Antonieta retornou para a sua cidade, despedindo-se de Elisa, as duas aos prantos.

Dona Chica a fim de acalmar a neta levou-a para brincar com as crianças na beira da lagoa. Elisa parecia ter se acalmado e Dona Chica conversava distraidamente com outras senhoras às margens da lagoa.

Elisa olhou o horizonte, o céu estava de um azul esplendoroso. Havia muitos pássaros. Também havia muitas crianças. Mirou-se no espelho d'água e viu o rosto de sua mãe e de sua irmãzinha. Enxergou na lagoa a sua liberdade, e quando sua avó descuidou por uns segundos ela pulou na parte mais funda e partiu em busca dos seus sonhos de menina.

JANET VITAL
Enviado por JANET VITAL em 15/05/2017
Reeditado em 07/02/2020
Código do texto: T5999916
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