UM CASO DE AMOR

Ele tinha a certeza de que ela não viria naquela noite. Sabia que a sua espera estava sendo em vão, mas, mesmo assim, ali estava ele, sentado no sofá, copo de cerveja numa mão, cigarro na outra e os olhos fixos na porta. Depois da briga de ontem à noite, ele sabia muito bem que nada mais poderia haver entre os dois, nem mesmo amizade, ainda mais conhecendo o gênio dela. Ela era esquentada, brigava por qualquer coisinha, e ele sabia que o motivo da discussão fora algo mais do que simples coisinha.

Ela disse que os dois não podiam mais compartilhar o mesmo teto e por isso iria embora, enquanto amontoava na mala as peças de roupas que apanhou às pressas. Saiu nervosamente e só se ouviu o forte barulho da porta batendo, enquanto ele não sabia se esboçava uma expressão de surpresa ou de ódio. Era difícil sentir ódio por aquela mulher, mas naquele instante seria capaz de jurar que o que sentia não deveria ser muito diferente. Crivou os dentes, coçou a cabeça, ficou andando pelo quarto, talvez para conter o rancor que começava a dominá-lo (sim, ele estava sentindo ódio por ela).

Há dez anos, ela o achava o melhor homem do mundo; e ele se sentia assim. Quem não se sentiria tendo ao lado uma mulher daquelas? Nos bares não conseguia esconder o sorriso orgulhoso diante dos amigos. Todos elogiavam a boa sorte de ter ao lado uma companheira tão jovem e cheia de encantos; diziam que ele nascera iluminado por uma boa estrela, que mais poderia querer? Naquele tempo, achava que nada mais queria na vida; com ela ao seu lado, que mais lhe poderia faltar – automóvel, dinheiro no banco, roupas caras, comidas extravagantes? Não, bastava tê-la ao seu lado.

Ela reclamava que antes ele era mais carinhoso; sempre lhe jogava isso na cara. Ele dizia que era o mesmo, que tudo continuava como antes, mas não conseguia evitar as brigas que sempre resultavam. Sim, anos atrás, quando a conhecera, era diferente – ela era uma moça robusta, o corpo escultural, a pele macia como veludo, aquele vigor dos vinte anos. Claro que ele a cobria de carinhos, enchendo-a toda de atenções. Ele dizia que ela ainda era a mulher da sua vida; ela não sentia muita firmeza em suas palavras.

Não se esquecia do dia em que se casaram e foram morar numa quitinete, num bairro distante do centro. Ele ficou vendo-a toda desajeitada preparar o almoço; o arroz saiu queimado no fundo, os feijões ficaram boiando num caldo transparente, o bife mal conseguia ser cortado com a faca. Mesmo assim, ele disse que nunca comera nada igual em toda a sua vida. Ela ficou tão feliz que comeram bife o resto da semana, com o mesmo feijão afogado no caldo ralo e o arroz queimado no fundo. Ela acreditava não existir no mundo mulher mais feliz.

Ela perguntou se sabia que dia era hoje, ele respondeu que era quinta-feira, por que, não está vendo na folhinha? Ela correu para o quarto e ficou trancada até o dia seguinte, chorando sem parar. Só alguns dias mais tarde ele se tocou que se esquecera do seu aniversário; também, com tanto trabalho para fazer na firma, como iria se lembrar dessas coisas? Ela, ainda aos choros, disse que, no começo, ele se lembrava; ora, no começo não tinha tanto trabalho lá na firma. Pensou até em comprar uma agenda para se lembrar da data no ano que vem, mas nunca se lembrou de comprar, e os anos seguintes não foram diferentes.

Para falar a verdade, só se lembrou do aniversário dela uma vez, e foi no ano seguinte ao casamento. Ao voltar do trabalho, parou numa padaria e comprou uma caixa dos melhores bombons que estavam na prateleira. Ela ficou tão feliz, e as lágrimas que escorreram dos seus olhos o sensibilizaram no fundo do coração. No aniversário dele, alguns meses depois, sua surpresa não foi pouca ao ver colocada à mesa a deliciosa ceia que ela preparara e ao receber dela uma caixinha embrulhada com capricho, onde ganhou o relógio que usava até hoje. Ela falava que os dois formavam o casal mais feliz do mundo, e dizia isso com tanta felicidade, que ele também sorria feliz.

Naquele tempo, seu sorriso ainda era de felicidade.