Entranhas

"And all the roads we have to walk are winding

And all the lights that lead us there are blinding

There are many things that I

Would like to say to you but I don't know how"

(Wonderwall, Oasis)

Nos conhecemos como muitos nos dias de hoje. Internet. Não me lembro como chegamos até aqui. Acho que ninguém se lembra, em estórias assim. No máximo elaboramos muito mais do que realmente houve. A memória, sabe-se, nos prega peça. Mente descaradamente. E nós acreditamos.

Agora isso pouco importa. Ou, melhor, não tem relevância nenhuma. Nossa vida é um grande hoje que tenta usar os pedaços do passado que lhe são convenientes, enquanto fica mendigando um futuro agradável. Quase nunca funciona.

Suas mensagens chegavam truncadas no curso do tempo como nós gostamos de pensá-lo. Linear, lapidado e matemático. Acontece que o desejo do outro, esse que nos empurra para decisões patéticas e desastrosas, não está nenhum pouco ocupado com a singularidade do tempo. Nada. E, isto causa-nos um conflito inalienável. Ali onde dói, queima. Incomoda zombando. Ali no peito. O aviso sonoro a sugeria. ao conferir, o desapontamento me abraçava. E ia apertando com seus braços magros, mas poderosos, enquanto ria, contorcia-se de tanto gargalhar.

Da última vez, disse ter-lhe sonhado. Um cheio de incongruências, com ilações metafísicas, no mínimo. Ela considerou, fleumática, uma propriedade orgânica, aparentemente notória aos pragmáticos, dos sonhos. Destruiu meu encanto e a pouca poesia que eu pensava haver nele. Deixou-me rastejando na lama dos quereres unilaterais. Aqueles que, vesgos, teimam em enganar os olhos do iludido. É difícil quebrar o hábito.

Como um motejo, dos vis, torpes (não existia outra relação deste substantivo para seu uso naquele instante) , mandou-me (pois o que escreveu tornou-se uma ordem a crivar-se em minha cabeça) pensá-la com um dos seus instrumentos de loucura insânia (o pleonasmo é mais do que um excesso aqui) em meu rosto combalido, pela incansável luxúria, sôfrega , ao som de um ritmo musical que me provoca engulhos, mas que tornou-se uma sinfonia naquela conjectura.

Hoje, após não mais sabê-la, sem folgar-me em ler suas mensagens, tendo desaparecido dos recantos onde pensava possível encontrá-la, arrasto minha casca entre o comezinho e o insuportável.

Sento-me à mesa puída, ao lado da pequena abertura, em minha cozinha, encarando o lá fora, com uma garrafa de uísque barato por companhia e um cigarro queimando sobre o cinzeiro. Um sorriso amarelo quer escapar. O reprimo. Um gole corre ardendo todo o esôfago. Devem ser os anos.

Eu vou encontrar um jeito.