Gilberto
A vida é um trem de carga, diziam naqueles dias alguns companheiros.
Para Gilberto então a vida estava ali, estacionada a menos de cinquenta metros da decrépita casinha de pau a pique: uma locomotiva enferrujada, encardida e quebrada sob o sol e a chuva.
Era o reflexo puro do que se tornara sua real vida: Um velho decrépito com um rosto marcado de cicatrizes e queimado de sol. Uma peça única de uma era de riquezas há muito falida e esquecida, esgotada como o ouro que um dia mingou abaixo do solo expulsando todos os homens dali, menos ele, que era duro e persistente.
Que não arredaria dali se não morto.
Firmando-se nas pernas bambas e sob a sombra de um telhado frágil ele fita a locomotiva presa aos trilhos enferrujados. A grade de proteção à frente lhe sorri como uma boca de um defunto com dentes a mostra.
Ele lhe sorri de volta de uma boca que faltam dentes.