Parapeito

Sentado, com as pernas para fora, no parapeito da janela de um apartamento no vigésimo quinto andar de um prédio, estava Amaro, um homem de trinta e poucos anos, com um semblante de desespero.

Amaro balançava pra frente e pra trás, enquanto balbuciava algumas palavras depreciativas misturadas com frases de apoio, em uma cruel indecisão, se deveria ou não pular.

Uma janela se abre ao lado, revelando Jaime, um homem na casa dos cinquenta anos, sem camisa, com um boné de caminhoneiro e um cigarro na boca.

JAIME – Opa.

Amaro apenas acena com a cabeça.

JAIME – Ta tomando um ar?

Amaro continua em silencio olhando pra baixo.

JAIME – Eu vim aqui na janela do quarto fumar um cigarro, porque minha mulher não gosta que eu fume perto dela. Você é casado?

AMARO – Não.

JAIME – Nem case. É só enchimento de saco.

AMARO – Não irei.

JAIME – Melhor coisa que você faz. E filhos, você tem?

AMARO – Não.

JAIME – Sorte a sua. É o que eu digo, quer atrapalhar a vida de uma pessoa, dá um filho pra ela.

AMARO – Eu não posso ter filhos.

JAIME – Ah, que pena. Eu tinha um primo que também era eunuco.

AMARO – Que? Eu não sou eunuco.

JAIME – E porque não pode ter filho?

AMARO – Não é que eu não posso, é que eu sou homossexual.

JAIME – Homemsexual, do tipo que gosta de homens?

AMARO – Isso mesmo.

JAIME – Hum.

AMARO – Que foi? Nunca viu um gay?

JAIME – Pessoalmente assim você é o primeiro.

AMARO – Que honra a minha.

JAIME – Nada contra, é que eu não saio muito de casa. Só saio mesmo pra ir à igreja, e só porque a minha mulher me arrasta.

AMARO – E não têm Gays lá?

JAIME – Abertamente assim, não. O filho do pastor é meio afetado, mas não sei não.

AMARO – Também né, a religião não costuma aceitar muito bem os gays.

JAIME – Não sei por que.

AMARO – Dizem que vai contra a bíblia, que é pecado.

JAIME – Pecado é colocar culto às cinco da tarde, bem na hora do futebol.

AMARO – Nunca fui muito fã de futebol.

JAIME – E nem eu de igreja, mas vou mesmo assim.

AMARO – Porque sua mulher te força. Mas ninguém me força a ver futebol.

JAIME – E você não tem um... Amigo, camarada, companheiro, como que vocês chamam?

AMARO – Um parceiro. Eu tinha, mas terminamos esse ano.

JAIME – Poxa, que pena. Mas é vida que segue né.

AMARO – É mais difícil do que parece. O que você faria se sua esposa te largasse?

JAIME – Pra começar, ia parar de ir à igreja de domingo.

AMARO – Que mais? Ela não cozinha pra você? Você ia ter que aprender a cozinhar.

JAIME – Isso eu já faço melhor que ela. Nunca vi, quarenta anos fazendo arroz e ainda consegue errar.

AMARO – Compra uma panela elétrica de arroz pra ela. No lugar que eu trabalhava a gente vendia um monte.

JAIME – E você trabalha com o que?

AMARO – Eu era analista de big data da Polishop.

JAIME – Não é mais?

AMARO – Não, fui demitido no mês passado.

JAIME – Rapaz, não ta sendo seu ano.

AMARO – E acha que eu não sei disso.

JAIME – Na minha época não tinha dessas coisas não, emprego era vendedor, marceneiro, eletricista. Isso se não fosse estudado, senão era Advogado, Medico e Engenheiro. Hoje em dia parece que juntam duas palavras qualquer e criam uma profissão.

AMARO – E era mais fácil antigamente do que é hoje?

JAIME – Nem mais fácil e nem mais difícil, o mundo muda, mas as pessoas mudam junto.

AMARO – E quando passava por uma época difícil, o que você fazia?

JAIME – Eu bebia bastante. Mas quando ficava sóbrio eu seguia em frente.

AMARO – Simples assim?

JAIME – Não era simples, mas quando a sua única escolha é ser forte e seguir em frente, você tem que ser forte e seguir em frente.

AMARO – E se você tivesse a opção de simplesmente dar as costas pra tudo? Uma saída rápida e fácil.

JAIME – Não existe saída fácil. Eventualmente tudo volta pra te pegar.

AMARO – Esse é o meu medo.

JAIME – Vai por mim, rapaz. Não existe bem que não possa piorar, mas também não existe mal que não possa melhorar.

De dentro do apartamento de Jaime, uma voz rouca grita pedindo que o homem volte para a sala.

JAIME – Fica firme, rapaz. Aquela desgraça ta me chamando.

Jaime entra e fecha sua janela.

Momentos depois, Amaro se inclina pra dentro, e entra em seu apartamento.