Doces lembranças

Quando eu era pequena lá para os lados das Arábias, eu tinha dois amiguinhos que adoravam brincar de médicos. Seus nomes eram Cosme e Damião, filhos de uma nobre família que seguia os preceitos da fé Cristã. Cosme sempre dizia:

- Quando eu crescer eu quero ser médico para curar as pessoas que nem Jesus curou. E você Damião?

- Eu também, Cosme, em nome de Jesus.

Um deles, que eu nunca sabia quem era, também me perguntava:

- E você, Beth. O que vai ser quando crescer?

- Eu vou ser grande ué! – Respondia eu mais inocente do que Branca de Neve dormindo na mesma casa com sete homens.

O ano era 260 e o sonho dos gêmeos sempre foi se formar em medicina para cuidar das pessoas pobres e como pobreza era o meu segundo nome, lógico que eu era a cobaia. Desde cedo fui o objeto de estudo daqueles dois danadinhos. Numa manhã, acordei com uma dor de barriga danada, talvez fosse por causa do Siri com Toddy que eu comi no jantar. Mamãe era fã de uma banda de forró que cantava uma música chamada Siri com Toddy e do nada resolveu fazer esse prato para a gente experimentar, mas não me caiu bem. Além da caganeira, peidava mais que peido de veia nas quermesses da Vila. Quando Cosme e Damião souberam que eu estava doente vieram mais rápido que abelha no mel. Fui obrigada a mastigar e engolir vários tipos de ervas que eles trouxeram. Comi desde boldo, losna, erva-cidreira, alecrim e capim. Não sei qual delas funcionou, mas em pouco tempo, já estava boazinha. A única coisa que me incomodava era o gosto horrível que ficou em minha boquinha.

- Ai, Cosme! Minha boca está muito amarga.

- Eu não sou o Cosme, Beth, sou o Damião. Mas vamos lá em casa comer o doce de abóbora da minha mãe que isso vai passar. Em nome de Jesus.

A mãe dos gêmeos se chamava Teodata. Eu a chamava carinhosamente por dona Data. Ela era viúva, pois seu marido morreu como mártir da igreja cristã. Além de ser muito católica dona Data fazia muitos doces para vender na feira. Cosme e Damião raspavam os doces que sobravam das panelas, colocavam em um pequeno pote e saía pela vila dizendo para as outras crianças:

- Deixa a gente te examinar, em nome de Jesus, que depois a gente te dá os doces.

Para ganhar os deliciosos doces, todas as crianças aceitavam ser os pacientes de Cosme e Damião. A fila do atendimento era enorme, iguais as filas de hoje nos postos de saúde. O tempo passou. Nós crescemos, os gêmeos terminaram a faculdade e com sua família tiveram que fugir às pressas por causa da perseguição contra os cristãos. Nunca mais eu os vi. Só soube que muito tempo depois eles tinham dado uma passadinha na África e foram morar no Brasil. Mas antes, tiraram o passaporte com outros nomes. Quando chegaram ao Brasil passaram a se chamar Ibejis. Dona Teodata com o objetivo de ganhar a nacionalidade brasileira casou-se novamente com o senhor Xangô e passou a se chamar Iansã. Teve mais cinco filhos Dou, Alabá, Crispim, Crispiniano e Talabi. Aprendeu a fazer caruru e hoje eles vivem felizes na Bahia.