Magnétika-cap. 4

Cap. 4

Que bom seria se fosse possível despir-se de toda a inveja pensar: “ se aquilo é bom para ele, que o tome para si”; não tenho obrigação de fazer igual por moda, costume; cada qual traça seu caminho no mundo; inúteis são as comparações; significa apenas que não soube entender o outro e suas manias, ou, aquilo que para você não vale nada, para outro é essencial.

Deixe os outros exibirem seus galões e penduricalhos; abra-lhes um sorriso e não faça caso dos vaidosos, da vã-glória. Se tem um que lhe é suficiente, para que guardar dois? Que felicidade há em repartir e não em acumular. O coletivo deve sempre prevalecer sobre o individual; ele é mais importante. O individualismo gera muito lucro, mas também gera muita pobreza e pessoas infelizes...!”

Relendo esses apontamentos, o esboço de um livro que pretendia escrever, reconheço algum valor, mas não é o que pretendo; não quero assumir o tom moralista e filosófico; não seria capaz disso; sou uma pessoa simples, embora meus pais quisessem me destinar um grande futuro, no sentido rentoso, para eles, infelizmente.

Tive uma vida boa; não posso me queixar; nunca me faltou nada; tive até de sobra; a Natureza me deu um corpanzil acima do normal, o que me obrigava a me arquear as costas para falar com os outros; minha falta de jeito com as pessoas e coisas me provocaram uma certa timidez e, para evitar embaraços, me retraía e amiúde caminhava só pelas ruas e vielas.

Isso não me impediu, entretanto, de conhecer os meus melhores e, talvez, únicos amigos; não eram as pessoas mais bonitas do mundo, longe disso; com certeza não eram as mais ricas. Não carregavam jóias ou enfeites e nem eram afetados ao falar; talvez por isso me conquistaram.

Caminhava sempre por aquela rua, após ouvir as repreensões de minha mãe de que “deveria estudar e s er alguém na vida” e, em meio a esses pensamentos, cruzava com aquele senhor barbudo; na terceira vez que o vi, disse:

-Bom dia, seu moço!

Espantei-me, por não o conhecer e, nada respondi. Talvez fosse maluco.

No dia seguinte, lá estava ele de novo:

-Bom dia, seu moço!

Espantei-me novamente; o que ele queria? Seria um ladrão, um fugitivo do hospício? As pessoas não costumam cumprimentar quem não conhecem. Passaram-se mais algumas ocasiões com a mesma expressão. Uma hora resolvi acabar com aquilo:

-Bom dia, seu moço!

-Bom dia!

Surpreendido com minha reação, respondeu:

-Não me convida pra almoçar?

Fiquei boquiaberto, mas retruquei:

- Um dia...te convido pra ir lá em casa...

Ele sorriu levemente e continuou seu caminho.

Na semana seguinte, chegou-se a mim e tomou-me pelo braço. Fiquei assustado; fiz menção de que queria me desvencilhar; minha mãe sempre com seus conselhos: “ não fale com ninguém, não olhe pra ninguém...”

-Vem comigo lá em casa; a patroa preparou algo especial!

Segui-o , meio desconfiado; era naquela parte do bairro com não boa fama; havia algumas casas simples e aquela abandonada há muito tempo, ao lado de um terreno baldio, onde a Natureza se expandia livremente, como que liberta de entraves e restrições.A casa não estava no melhor estado, apesar de alguns reparos; aqui e ali galinhas, pintinhos, uma horta, cães e gatos convivendo juntos. Avançamos porta adentro, que estava aberta.

-Maria, temos visita!...

Uma senhora humilde, de certa idade, remexia uma panela. O cheiro era bom; a cozinha asseada.

-Entra, a casa é sua...