a porta para abrir a palavra-chave

pra se ter uma ideia, não se fazia uso de portas, muito menos janelas. talvez por isso estranhou quando percebeu-se acordado pelos barulhos festivos na casa, umas vozes atravessando outras conversas na média distância entre as bocas que as diziam, uma gargalhada sobrepondo em volume ou intensidade a comedida e pessimista opinião política, ou num breve instante entre ambas o tom agudo sugerindo a condição estimulante ou não da condição física daquele que cantarolava a música que já se esboçava ao fundo das dimensões auditivas, cortada ainda por vidros de copos e taças em contato com copos e taças, sobre mobílias quando a força despropositou-se pelo efeito do que estivera preenchendo os objetos vítreos. levantou, terminou de acordar-se com o passeio das mãos pelos cabelos, testa e olhos, sentado na cama, foi em direção à casa, adentrou cada cômodo com calma improvável, buscando fazer-se acreditar no que ouvia, e o que ouvia era gradativamente mais ouvido, até que o som ocupou corporalmente o ambiente não deixando espaço para ruído algum entre a já inaudível algazarra. ninguém foi visto. como não se fazia uso de portas, muito menos janelas, seria natural, e pelo motivo, saiu. conseguiu silenciar a ilógica assim que o fez, e andou a noite equilibrando-se em pensamentos, pisou acasos sem rumo, viu vultos que procuravam esquinas optando pelas opostas, conspiravam com ângulos de muros, discutiam apressadamente com sombras. a noite como é em espírito: supostamente habitada, mas inabitábel em magnitude. sentiu-se só, surdo, mudo, talvez cego, claustrofóbicamente existindo, e decidiu retornar. esgueirando-se por sargetas, quinas de propriedades, restos de consumo e musgos em seus habitats, encontrou seu retorno pelas ondas sonoras e feixes de luz emitidos das fendas da casa. achegou-se com pressa ofegante, a ânsia normal de quem chega da rua, multisentiu tudo em ascendência, acelerou o passo conforme a aceleração orgânica, entrou.

perceberam o silêncio adentrando o recinto, estranhamente, diga-se, o que na leitura possa parecer que foi substituindo o barulho gradativamente, contudo foi de súbito/. olharam-no com suas expressões estáticas. como não se fazia uso de portas, muito menos janelas, talvez por isso acometeram coletivamente em correria ao seu quarto.

Henrique Pitt
Enviado por Henrique Pitt em 25/10/2017
Reeditado em 26/02/2018
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