A lâmpada de Diógenes achou...

Época de inverno rigoroso!

Campanhas de doação de agasalho proliferavam por todos os cantos!

Entidades de todas as espécies clamavam por doações que iam de roupas usadas em bom estado, passando por seminovas e novas!

Minha esposa SEMPRE compadecida com os menos afortunados que não dispunham de condições para um devido enfrentamento, vivia angariando no interior de nossa residência e até em solicitações que fazia para alguns que sabia poder dispor de coisas que ajudassem, vivia arrecadando e entregando em entidades religiosas o que podia.

Felizmente, fomos afortunados em termos condições de manter vestimentas que atendem à contento todas as estações do ano, por vezes tendo quantidade acima do necessário, fazendo com que vários deles apresentem, apesar do longo tempo que possuímos, estado de seminovo, sem nunca ter sido utilizado.

Em certa ocasião, minha esposa encontrava-se em trabalho de coleta de algumas peças que não utilizávamos já há algum tempo e indagou-me acerca da possibilidade de doar algumas delas. Em meu armário constavam algumas calças, algumas blusas, algumas camisas que estava já há tempos no meu armário sem qualquer uso.

Conjuntamente fizemos uma separação e minha esposa levou para doação em uma entidade religiosa próxima de nossa residência!

Alguns dias após, procurei muito R$ 1.000,00 que havia reservado para sanar uma dívida que tinha e que venceria em data bem próxima. Solicitei os préstimos de minha sempre colaboradora esposa, que entre seus inúmeros dotes possuía também o dom de ser uma incrível ‘achadora’ de tudo o que procurávamos em casa.

A procura foi incansável e para nosso desencanto não houve o encontro da importante procura realizada. Tentei de toda forma possível, lembrar-me de algum indício que pudesse me dar alguma pista da última vez que havia lançado mão daquela importantíssima quantia. Lembrei-me então que ao efetuar o saque do valor procurado na instituição financeira, estava vestido informalmente com uma jaqueta muito propícia para os dias frios que estávamos enfrentando. Lembrei-me também que havia colocado o valor no bolso interno da jaqueta, pensando na maior segurança ao carregar o quantum que, apesar de não muito volumoso, era formado por dez notas de R$ 100,00 e que, evidentemente, chamaria bem menos atenção do que se fosse carregado nos bolsos externos da jaqueta, da camisa ou da calça!

Minha paciente esposa realizou novamente um incessante busca dentre as jaquetas, blusas, camisas, calças, bermudas e até em alguns surrados ternos que possuo!

Desanimado, tive de recorrer a um amigo para que me fizesse um empréstimo do valor para que eu cumprisse com o pagamento em alguns dias, o que muito me constrangeu, mas ao mesmo tempo me deixou tranquilo, pois o episódio enfrentado referiu-se a sumiço de bem material, o que é perfeitamente sanável, ao invés de outros problemas, tais como doenças que por vezes, nos causam atropelos irremediáveis!

O tempo, como sempre inexorável, passou rápido exatamente no dia no qual eu me dirigia para o local onde deveria sanar a minha dívida, caminhando pensativamente acerca de todo o episódio que havia ocorrido, tendo como passagem a frente da instituição religiosa na qual minha esposa havia feito a doação, notei sentado em um degrau da escadaria que dá acesso ao templo, um homem que trajava uma jaqueta muito parecida com uma das que fizeram parte do lote que por nós foi cedido!

Sem maiores explicações, uma espécie de chamamento fez com que eu me aproximasse daquele homem e, cumprimentando-o iniciasse o seguinte diálogo:

--- Bom dia, jovem! --- foi a minha primeira fala.

--- Bom dia, senhor! --- respondeu efusivamente o meu interlocutor.

Contemplei o ar sereno daquela pessoa, o que me incentivou a seguir com o diálogo:

--- Pelo que parece, o frio está mais ameno, e a primavera já não está mais apresentando tanto frio, não é mesmo?

Fixando-me, o senhor respondeu:

--- Todas as estações do ano tem lá seus prós e contras, tendo todas elas tem suas necessidades e mutações durante a sua vigência! Estamos no mês dito das flores, então há necessidade das chuvas e do clima mais ameno, propícios para o desenvolvimento das árvores, que nos dão as flores e brevemente os frutos!

Surpreso com a desenvoltura e o fluir preciso dos pensamentos e do homem sentado nos degraus da Igreja, prossegui:

--- Desculpe-me a ousadia, porém, posso fazer-lhe uma pergunta?

O homem sorriu e delicadamente arguiu:

--- Certamente! Até mais de uma se precisar...

Também delineei um sorriso e emendei, creio que enrubescendo levemente:

--- Bem... Esta jaqueta que o senhor esta vestindo, se parece muito com uma jaqueta que foi minha e que minha esposa entregou para ser doada nesta campanha de agasalho neste inverno. Desculpe-me novamente pela ousada, mas, o senhor a recebeu como doação?

O homem olhou-me fixamente, meneou a cabeça em aprovação e respondeu:

--- Sim! E estou ficando por aqui já há alguns dias, aguardando-o...

Creio que com feição que demonstrou algum incrédulo, retruquei:

--- Como assim? Aguardando-me?

O senhor de forma muito branda, prosseguiu:

--- O senhor tem mais algum complemento em sua indagação?

Com inexplicável emoção que me assolou, suspirei e levemente gaguejando e esboçando novo sorriso no final, respondi:

--- Desculpe-me,..., bem! Há alguns dias dei por falta certa quantia, que desapareceu inexplicavelmente de minha casa, quantia esta que eu iria utilizar para pagar uma dívida que tenho e que tive de ‘me virar’ conclamando amigo para me socorrer!

Aquele senhor que havia permanecido sentado nos degraus durante o tempo do nosso diálogo, levantou-se, colocou a mão no bolso interno da jaqueta retirando um pequeno maço de notas e o estendeu a mão em minha direção dizendo:

--- Foi isto que perdeu?

Antes de estender a minha mão para receber a entrega, suspirei profundamente e disse:

--- É! Parece com o que minha esposa e eu procuramos incessantemente há alguns dias! Mas,..., deixe-me ver para não cometer equívoco...

Com o maço de notas já nas mãos, fui conferindo nota a nota e lá estavam os R$ 1.000,00 que eu havia dado como perdido!

Mais do que o valor em si, a emoção que me tomou disse respeito ao gesto daquele senhor que ali estava à minha frente, que humildemente havia se postado por lá durante alguns dias à espera que o dono por ali retornasse. Pausadamente contou:

--- Logo após receber a doação, ao chegar a minha casa notei que havia algo saliente no bolso interno da jaqueta. Ao retirar o maço notei que era dinheiro em espécie. De imediato retornei até o Templo e por lá pesquisei e soube que não tinham controle de quem havia doado. Assim, resolvi ficar por aqui portando a jaqueta viabilizando a possibilidade do doador ou da doadora passar por aqui, reconhecer a jaqueta e vir falar comigo. Ainda bem que tudo correu como eu planejei...

Procurando segurar as lágrimas que ‘impiedosamente’ teimavam rolar pelas minhas faces, novamente gaguejando disse:

--- Será que eu posso dar-lhe um abraço?

Sem nada dizer, o senhor abriu seus braços e nos estreitamos em afetuoso e, pelo menos para mim, gratificante e afetuoso abraço.

Ao nos separarmos, não hesitei em dizer:

--- Não posso deixar de recompensá-lo por sua honestidade e pelo trabalho que lhe causamos, ficando de sentinela aqui durante todos estes dias. Infelizmente, não sou dotado de muitas posses e apesar de já ter dado como extraviado o montante, agora que praticamente ‘apareceu do nada’, tenho de ressarcir pelo menos parte do que emprestei para sanar a minha dívida e então somente posso oferecer-lhe a metade do montante que me entregou ... Talvez ajude... Talvez ajude...

O senhor, fez um gesto com sua mão direita espalmada em minha direção, me olhou seriamente e disse:

--- Irmão! Meu pai José e minha mãe Maria, ensinaram-nos, eu e meus irmãos Tiago, José, Simão e Judas, que devemos SEMPRE ter ética, moral, amizade, congraçamento, respeito aos irmãos, solidariedade e tudo o que nos coloque em rol de pessoas de BEM e do BEM, também SEMPRE seguindo o que nos doutrina a FÉ e o AMOR! Em assim sendo, eu tinha de assim agir e não há o que pagar por isso!

Ainda mais emocionado, olhei para a serena face daquele homem e insisti:

--- De qualquer forma, vou deixar consigo o que ofereci! De sua parte, faça o que quiser com este valor, que para mim e para o Criador, creio estará de bom tamanho!

Sem lhe dar tempo de mais uma recusa, lancei mão de cinco notas de R$ 100,00 e coloquei-as no bolso dianteiro da jaqueta que portava.

Ele seguiu olhando-me com ar de muita serenidade e amor e eu, agora um tanto quanto desconcertado e visivelmente emocionado, aproximei-me novamente, abracei-o e me despedi dizendo:

--- Mais uma vez, muito grato por sua forma especialíssima de proceder e de ser!

Desfeito o abraço, dei-lhe as costas e segui meu caminho.

Mal havia andado alguns metros, olhei para trás e o homem seguia em pé observando minha partida! Senti novamente como um chamamento e retornei rapidamente ao meu ponto de partida. Acerquei-me do senhor e disse:

--- Meu irmão! Tão emocionado e surpreso fiquei que até esqueci-me de dizer meu nome e perguntar pelo seu... Meu nome é Hermes... Qual é o seu?

Foi como se tudo parasse naquele instante, como se uma áurea circundasse o local em que estávamos, quando ouvi o som da resposta:

--- Eu me chamo Jesus!

Repeti meus agradecimentos, girei sobre meus calcanhares e retomei minha caminhada.

Já longe do local onde tudo sucedeu, de onde não mais enxergava nem ao menos o Templo, dei vazão aos meus pensamentos, dentre os quais imperava: “Certamente, se Diógenes ainda estivesse por aqui, com sua lanterna em busca de um HOMEM JUSTO, HOJE o teria encontrado!”.