EVANGÉLICOS

Sou pela convivência pacífica e fraternal entre os credos e respeito o comportamento de cada um na vivência da sua fé.

Ocorre que, às vezes, não entendo o que se passa na cabeça de uma pessoa ao se estabelecer comercialmente, sem avaliar o negócio em confronto com as suas convicções.

Esta reflexão é porque conheço um evangélico, pessoa excelente, de conversa um pouco aborrecida.

Pecador, como sou, imagino que ele deve pensar pior de mim.

Um dia fez-me um convite.

Informou-me que havia comprado uma pizzaria e que aguardava a minha visita.

Mecânico toda a vida, considerei que era uma experiência inovadora: lidar com pessoas é mais complicado que apertar parafuso.

Mas há quem goste de desafio.

Chegamos lá, eu e o Eliezer.

Ambiente limpo e bonito.

Música suave, um pouco chata para o meu gosto, mas leve, leve, que quase não se ouvia.

Distribuido pelas paredes, Jesus aqui, Jesus alí, Jesus acolá.

Fomos recebidos com alegria.

Algumas mesas ocupadas por pessoas respeitosas que conversavam com discrição.

Pedi um chopp e ele olhou-me como se eu lhe tivesse pedido para tirar a roupa.

Mas trouxe.

Um chopp para cada um.

Pedimos uma calabreza e ele nos informou que também era vegetariano e não servia carne.

Então, quatro queijos por favor!

Entrou uma dupla de mocinhas, coxas de fora.

Ele foi lá e pediu, educadamente, que se retirassem.

Eliezer torceu o nariz e acendeu um cigarro.

Ele veio até a mesa e disse baixinho:

____ Por favor, nesta casa não se fuma...

Eliezer ficou vermelho, subiu-lhe a pressão arterial e relanceou os olhos para as paredes.

Jesus aqui, Jesus alí, Jesus acolá.

Saiu e foi fumar na calçada.

Bem feito, faz tempo que peço para ele abandonar o vício.

Veio a pizza e aproveitamos para pedir outro chopp.

Ele, educado, informou:

____ Aqui só servimos um chopp para cada pessoa. É para evitar algazarra...

Tá bom!

Engolimos a pizza com refrigerante.

E ficamos ali, parados, olhando um para o outro.

Sem poder falar de política, futebol ou passar a mão na garçonete.

No caixa anúncios de palestras:

"Na comunidade tal, no sábado, ouviremos "Jesus caminha sobre as águas".

No domingo, o palestrante discorrerá sobre "Procurando Jesus".

Fazia sentido.

Pagamos a conta e fomos embora.

No sábado não abria, em respeito à crença do proprietário.

Durante dois meses o restaurante ficou às môscas.

Parece que os evangélicos não gostam muito de pizza.

Depois fechou.

..................................

Araçatuba-SP, 22-08-2007