Quem tem tempo para ter tempo?

Crianças! Crianças! Corram, venham ouvir esta história. Sentem-se para que todos possam entender corretamente o que direi. A música? O que tem a música? Desligue a vitrola, Carlos, e venha para cá novamente. Ouçam... O que será este barulho? Parecem ser cavalos trotadores. Será que é Teodoro que está de volta? Não, não é possível que volte, pois jamais levantará de seu túmulo e habitará conosco mais uma vez, mesmo chorando todas as lágrimas de que sou capaz de chorar ele não voltará. Teodoro partiu em busca do tempo, porém ficou sem tempo para regressar.

Vamos terminar com isso, seu pai tinha razão, não há tempo suficiente para todas as coisas a que somos obrigados a cumprir com devoção. Levantem-se depressa e corram para o colégio, o sino já badalou e não é bom que se atrasem por bobagens. Eis que quando voltarem não estarei aqui para ouvir suas lorotas ou para que me digam como passaram o dia. Não há tempo, é preciso correr.

- Edgar, traga o carro, pois vamos sair. Tenho trabalhos a realizar e não tardarei mais. “Ande seu imprestável serviçal”. Ganhemos tempo, já alcancei meus 25 anos, tenho filhos e sou viúva de um estimado senhor que ficou sem tempo...

Consegui vencer esta batalha com o chamado tempo e estou voltando para este meu lar, cheia demais com preocupações, farta, exausta de correr e lutar. Já chegou a hora de repousar-me, ou ainda conversar com meus filhos . Ora , é tarde e estão todos dormindo. “Nossa !” vejam o relógio ! Passam das 10 horas, preciso dormir antes que amanheça e o sol brilhe. “Acordem , acordem! Vão para o colégio !”

E o carro ? Porque não está pronto? Deixe , não é mais necessário, irei caminhando , o tempo urge ...Um parque! Vou parar para olha-lo ; não posso , não devo , não quero. O que farei aí ? Gastarei meu tempo com diversões? Brincadeiras de criança , algodões doces , balas , sorrisos inúteis ? Será melhor que eu continue minha jornada sem prestar atenção nestas besteiras.

É hora de descansar, mas vejam que belo livro! Trata-se de um romance, vou lê-lo... Mas para que perderei sono precioso com livros enfadonhos, com leituras sem importância, com passa tempos ? Porcaria ! Nesta vida medíocre nada se pode perder, nada se pode deixar de ganhar e nada vale a pena à não ser o tempo que aproveitamos sem permitir que futilidades se façam presentes.

Ora este miserável dominador dos segundos, minutos e horas me deixe em paz! Espere, esqueci que não posso parar de correr e conceder, que como aquele que foi e jamais voltarei, eu me outorgue e termine por juntar-me a ele. “Porque escorrem de minha face lágrimas cruéis?” Sumam, desapareçam, afastem-se de mim, pois nunca poderei ser como muitos que se entregam a este mundo cheio de parques, desfiles e coisas e rostos risonhos. A mim, que possuo filhos e minha viuvez, que trabalho sem cessar para não ceder a fuga deste impetuoso tempo, que me acabo com meus vários anos, sinto a pele sofrida enrugar e murchar assim igualmente a juventude cheia de tempo e prazer, lazer, alegria de viver e principalmente a despreocupação com o improfícuo tempo.

Achei que jamais ...jamais...seria vencida pelo tempo, e que em meus poucos anos de vida, a aflição de ver o irreversível fugir de minhas mãos fosse abater-me. “Como podemos afirmar que esta insignificante humanidade cresce com tempo, se ela não consegue parar o mesmo?Se ela não consegue diminuir os sofrimentos?Se ela não consegue salvar a si própria...”

Hoje vendo a derrota da vida que tracei ao longo de dias de submissão a mim, me negando os prazeres materiais e até os espirituais concluo que não sou nada, pois a história, as brincadeiras, os sorrisos, a alegria...Não as tenho...Perdi o insuficiente que nunca tive.Em pleno alento de meus 92 anos posso dizer que nunca vivi.Que jamais sorri, que nunca ousei, não falei, não opinei, e não consegui parar o tempo.Se lhes posso dar um breve recado gostaria que soubessem da vida miserável e da amargura inigualável guardada dentro deste meu pobre coração e principalmente a dor que está cravada em minha alma.

Posso dizer que amei, posso dizer que fui amada, mas tudo ficou para trás, pois desapercebi como este ordinário tempo escorreu entre meus dedos.Como este infeliz tempo acabou-se e acabou comigo. Sei que é tarde demais para chorar e que é cedo demais para terminar com isso, mas estou me esforçando para que o mundo não se deixe levar pelo mesmo que me levou.

Se em minha desventurada vida tudo passou sem que eu percebe-as, nas vidas daqueles que usufruíram dela, o senhor tempo, jamais os deixará em paz.(...)

Esta é a hora de morrer e...E...Esquecer de tudo, até mesmo do mundo que bateu a porta e que me recusei a abrir, pois tive medo de não poder ser capaz de viver como aqueles despreocupados chamados seres felizes. “Adeus mundo cruel!” Adeus a todos! Não sintam pena, apenas não repitam meus alienados gestos e feitos.Quando desejarem sair e esquecer de tudo, não se prendam as besteiras chamados tempos, cresçam cheios de vontade, virtudes, e felicidade...

Sinto que o ar me falta, o coração não bate mais como antigamente, meus olhos pesam como se fossem chumbos, minha boca seca faz com que a língua se prenda ao céu da mesma. Desculpe-me, mas chegou minha hora e não posso mais lhes falar, para mim o tempo findou-se. Cuide-se muito bem...Meus queridos filhos, eu vos amo e sempre vos amei...Adeus...

Tixa
Enviado por Tixa em 22/08/2007
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