“O Amante da China do Norte¹”
Ela estava pasma. Como ela mesma disse, quase desesperada. “Quase desesperada” porque aquilo não era digno de ser chamado de desespero. Desde o começo de sua leitura, ela encontrava algumas semelhanças entre ela e a personagem principal. Continuou, pois deveria ser essa mesma a intenção da autora, e se não era, julgava como uma simples coincidência. De qualquer forma, sentiu-se presa à leitura.
A criança – assim era chamada a personagem do livro – possuía uma ingenuidade tamanha, talvez por isso seu pseudônimo. E talvez também por isso, ambas as crianças – A Criança e Ela – fossem tão parecidas. Admiravam-se das coisas mais simples, como um amigo seu há disse um dia: “você é dessas capazes de olhar um carrossel e ficar horas fitando-o, e quando este for desligado, dizer, muito espontaneamente: ‘que lindo! ’.”
O chinês – outra personagem – era assim como outro amigo seu: maduro, quase cético. Mas algo não fazia esse tal amigo – na verdade, no momento eram só colegas – o chinês da vida real. Ela nunca soube se era a forma diferente de acreditar no Amor, a maneira diametralmente oposta de viver. Ou mesmo o amor diferente do chinês pela criança.
A idade do chinês e do Amigo – sim, agora Amigo, com “A” maiúsculo – hoje é a mesma. A dela e a da criança fora apenas no início do livro. Depois ela, e também o chinês, descobriram a mentira – mas os dois sempre tiveram dúvidas. E sempre que ela se encontra só com o Amigo – como num dia em que ele brincava com o esmalte de suas unhas como se a inocência dela tivesse invadido-o de vez – ela se lembra da leitura. Do livro que sua tia fez questão que ela lesse. Mas não sabe essa tia como estava errada.
No final do livro, a criança volta à sua cidade natal e o chinês casa-se com outra chinesa prometida a ele desde a infância. E ela gostou muito desse final, o que lhe rendeu belas conversas com sua professora-amiga; a escritora era modernista.
Hoje, ela enxerga o que sua tia queria mostrar. Mas esta tia nunca vai entender que ela estava muito errada para com as intenções do Amigo. E tudo que ela quer é que a sua amizade com o Amigo não termine com um na França e outro na China.
A amizade não é coisa a se explicar; é coisa a se sentir, viver. E ela – eles – vivem esse amor maior chamado Amizade, sem desejos carnais e de uma simples cumplicidade. Queria ela que sua tia tivesse um amigo assim.
¹. Duras, Marguerite. O amante da China do Norte.