O CARTEIRO

Manoelito chegou em casa e se jogou no sofá; estava exausto e ao mesmo tempo com o pleno sentimento do dever cumprido. Já fazia mais de trinta anos naquela rotina de carteiro.

"Ah! Quantas cartas já entregara durante todo esses anos; fora mensageiro de tantas alegrias e de um outro tanto de tristezas, levadas nas milhares de missivas entregues por suas mãos durante todo esse tempo...", refletia ali, pesadamente sentado naquele sofá.

Lembrou-se de Seu José que sempre lhe oferecia um cafezinho, quando lhe batia a porta: "Seu José, chegou mais uma carta do seu filho!"; Seu José saia à porta com um sorriso de tão largo, que amiudava-lhe os olhinhos brilantes feito estrelas. "Vamos entrar Seu Manoelito Cateiro (era assim que o chamava), que o café tá bem quentinho". Viuvo e aposentado como agricultor, vivia sozinho; seu único filho fora ganhar a vida em São Paulo há anos e nunca mais voltou, e Seu José contentava-se com aquelas cartas e com algum dinheirinho que por vezes o filho mandava.

Manoelito abria a carta e lia, visto que Seu José não sabia ler, e este ouvia atentamente balançando a cabeça positivamente e com o sempre largo sorriso. Só uma única vez, viu uma lágrima descer dos olhos daquele velho senhor, que disfaçadamente passou a mão no rosto tentando escondê-la e quando percebeu que o carteiro notara, juntificou atribuindo-a a um cisco.

Ajeitou-se melhor no sofá e lembrou-se da doida Madalena que saia de casa totalmente descabelada correndo atrás dele: "Seu carteiro...Seu carteiro, cadê a carta do meu noivo?", "Hoje não tem carta Madalena!", e a pobre voltava para casa chorando. Dizia-se que ela enoivara muito jovem e que no dia do casamento, já na igreja, recebeu a notícia de que seu noivo havia falecido de uma queda do cavalo, no caminho para a igreja; enlouquecera a partir desse dia. "Não chore Madalena, quem sabe na próxima semana ele lhe escreva"; Manoelito, chegou a pensar por um certo tempo, em ele mesmo escrever uma carta, passando-se pelo noivo, para ver se via alguma alegria no rosto de Madalena; mas nunca teve coragem de fazê-lo.

Carregava um baú de histórias, que iam de extremas alegrias a extremas tristezas, como a expessão de felicidade no rosto de Dona Maria quando recebeu o telegrama de seu filho, que havia partido para sul em busca de melhor sorte: "Fui aprovado no vestibular de engenharia", e correra ao encontro do marido ansiosa para contar-lhe a boa nova; ou a frieza de morte no olhar de Dona Mirtes ao abrir o telegrama: "Vimos pesarosamente comunicar o falecimento de Geraldo de Almeido Filho..." e com as mãos trêmulas querendo devolver-lhe a missiva, como não querendo acreditar ser dirigida para ela.

Aprouveitou para por também as pernas sobre o sofá e deitou-se acomodadamente. Passou então a se lamentar de que hoje em dia, com as novas tecnologias, quase não mais se escreviam cartas como antigamente. Seu trabalho agora se resumia mais à entrega de encomendas e cartas comerciais. Respirou fundo e de repente sentiu uma insuportável dor no peito; quis chamar pela esposa, mas faltou-lhe forças; o braço direito pendeu para fora do sofá e a mão deixou cair um envelope de carta, cujos endereçado e endereço lhe eram desconhecidos.

Chico Alves dMaria
Enviado por Chico Alves dMaria em 03/02/2018
Reeditado em 04/02/2018
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