Invectivas

Agora, procurando algo sobre o que escrever, nada encontro.

Lembro-me de um ditado: "mente sã, corpo são". Ou vice-versa, não me lembro. Penso nessa relação mente-corpo. Será ela verdadeira? Minha mente está vazia. Mas meu corpo não. Está cheio de fibras, músculos, tecidos, líquidos e humores. Mas minha mente está vazia. Ah! Meu estômago também está vazio! (Deus! Será que é por isso?)

Sei que há um tema qualquer, um título pré-definido ou algo assim. Está à minha frente, na lousa. Olha para mim com arrogância, num desafio absurdo. Um duelo do qual me recuso a participar. Atrás de mim um colega o repete em tom reflexivo, baixo e lento. Espaço; tempo. De repente ouço o frenetismo com que a caneta percorre o papel, sei que meu amigo corre contra o tempo, contra o esmorecer da luz, contra o silêncio de uma caprichosa e esporádica Inspiração. Ou, se preferirem, para não perder o fio da meada.

Minha caneta, ao contrário, pende lânguida e flácida de meus dedos mornos. Inspiração... Inspiro profundamente, expiro...Inspiro novamente... "Expira! Inspira! Expira! Inspira!" é a voz da professora de Educação Física gritando só para mim, em minha mente. Expira! Inspira! Não sei porque me vem de imediato à mente a imagem de um afogado. Como minha caneta, ele repousa, lânguido e flácido, numa praia de areia morna. Alguém massageia seu peito e grita Expira! Inspira! Tenta fazer respiração boca-a-boca, mas não sabe como e lhe dá um beijo. Única coisa quente, num corpo frio: Não expira! Respira!

Sinto frio. Deixo meu afogado em sua praia de areias mornas e caminho rápido, depois devagar e depois bem lento, sempre seguindo a linha do mar. O sol no céu sem nuvens aquece novamente meu corpo. Sinto calor. Não expiro! Respiro! Que sol forte!

Alguém faz perguntas ao professor. Não as ouço. Ele vai até sua mesa e conversam. Alguns olham seus relógios, apressam suas canetas, outros recriminam sua própria mente.

Eu apenas aguardo. Os minutos passam rápido para os outros alunos, que aumentam cada vez mais a velocidade de suas canetas. Para mim, no entanto, se escoam lentos, quase intermináveis. Me imagino presa num segundo eterno. Minhas pálpebras pesam. Fecham-se. Entreabrem-se.

Vários alunos já entregaram suas redações. A frase fatídica continua na lousa. Idéia pré-fabricada. Quando percebeu meu desinteresse perdeu seu orgulho, tornou-se humilde. E agora está lá, patética.

Sono. Desânimo. Desistência. Percebo tudo com olhos embaçados. Não sei se estou dormindo, ou cochilando, ou presa em uma diabólica utopia. Nada sinto. Nada vejo. Apenas a audição é o sentido que ainda se faz presente. A sirene toca alto e por um momento penso que nunca se acabará. Mas acaba. Meus colegas todos levantam-se com suas folhas, cheias de códice e mistério. Alguém passa e me bate nas costas. Desperto. Vejo a folha à minha frente. Branca. Vazia como minha mente. Mais tarde o professor perguntará qual foi o gênio que lhe entregou uma folha vazia, sem ao menos o título e o nome. Não poderei dizer então que aquela simples folha era meu retrato fiel aquela tarde. Então dirá coisas horríveis a meu respeito, que só eu sei não serem verdadeiras. Ou talvez sejam, e eu seja uma mentira sincera.

Levanto. Caminho lentamente como na praia. Entrego-lhe a folha e cândidamente dirijo-lhe um sorriso. Ele não me olha, ou então não me vê. Estende as mãos de modo autômato para pegar as folhas. Saio. Tenho fome. Vou para casa com a consciência tranquila pelo dever não cumprido. Tive meus motivos e razões. Na rua, sob a sombras das frondosas árvores da escola, inspiro profundamente o ar quente da tarde no crepúsculo. E descubro, num susto, que o afogado não morreu.

Lady Loen
Enviado por Lady Loen em 28/08/2007
Reeditado em 28/08/2007
Código do texto: T627808