Essas crianças...

- Paiêêêêêê... - gritou o guri lá do outro lado da sala enquanto olhava a chuva pela janela.

- Hum?... – respondeu o pai, sentado na sua poltrona preferida, folhando o caderno de esportes do jornal de domingo.

- Quem liga as torneiras da chuva, lá no céu? – perguntou o guri, ainda na ponta dos pés e debruçado na janela.

- São Pedro. – respondeu o pai, sucinto, pra não dar muito assunto.

- São Pedro??? - repetiu o guri, a essa hora fazendo embaçar o vidro da janela com seu hálito quente.

- É. – reiterou o pai.

- E quando ele sai de férias? Quem fica no lugar dele? - perguntou o menino, desenhando bichinhos com os dedos no embaçado do vidro.

- Ele não tira férias. – disse o pai, passando para o caderno de política.

- Não?? – falou o guri, apagando o desenho.

- Não. – reforçou o pai, suspirando já.

- Mas todo mundo tira férias...porque São Pedro não? Ele é escravo? – insistiu o piá, tentando abrir uma fresta na janela.

- Não. Ele não é escravo. E me lembrei agora que ele deixa o São Pedro Jr em seu lugar quando sai de férias. – disse o pai, certo de que tinha finalizado a “conversa”.

- São Pedro Jr?? – repetiu o filho, conseguindo a tão sonhada frestinha da janela.

- É. – disse o pai, lendo uma notícia de escândalo em Brasília.

- Então o céu é um nepotismo só? – indagou o guri, molhando a mão que abrira a fresta, na água da chuva.

- Não, filho. É só um favor que ele faz pro pai dele. – falou o pai passando para o caderno policial.

- Mas e se ele sofrer um acidente de trabalho? Como vai pedir seus direitos se não tem um vinculo empregatício? – perguntou o filho, agora molhando o cabelo.

- Ele não sofrerá. – disse o pai, lendo uma notícia de assalto em seu bairro.

- Já sei!! Ele pode pedir que seja preenchida uma RPA para ele!! – disse o menino empolgadíssimo, enquanto fechava a fresta da janela. – Assim ele poderá ter assistência por causa dos 20% relativos ao INSS, né pai? – continuou o guri.

- Claro, meu filho. – concordou o pai, olhando agora a contra capa do jornal.

- Então ta! Vou lá para o quarto que o meu desenho favorito já começou – disse e saiu correndo em direção ao quarto.

O pai então fechou o jornal, chamou pela mulher, que estava na cozinha preparando o café e disse:

- Este menino está proibido de brincar com o filho do advogado aí da frente.

A mulher, sem entender nada, concordou e foi cozinha adentro.